o corvo (adaptado)

O corvo

Numa noite de lendas bravias,
Estudava eu devoções velhas,
Batem leve, leve nos vidrais.
Quem será? Pensei, me visitará?
E que toques tais, tão gentis,
Só isso; e nada mais?

Era Dezembro,Se bem m'lembro
Jazia morno,o frio negro,
Pela lareira apagada,
Escrevia com morrão ,Leonor,
Para não te esquecer,na dor,
Mas sem nome,aqui jamais.

A mim mesmo acudi, no medo,
Abri de breve o cortinado,
Repetia em desassossego,
Mais isso que de meu medo
-É um visitante atrasado,
É só isto, sim e nada mais.

Já sem tardo e não hesito,
Abro, par em par meus vitrais
Se, Senhor; senhora, mal me sinto,
Eu, dormindo e vós, batendo,
Mal ouvi; abri largos portais,
Noite, noite e nada mais.

Fitei perplexo, receado,
Noite d’amplexo, silêncio,
E ais,no eco repetido.
O nome dela, vi, no vazio
Desta paz profana. E maldigo,
Isso , só , e nada mais.

Não tarda e ouço,novo som,
Em minh’alma ardendo mais
E vou ver o que está nela,
Por que me distrem com sinais,
Soltos e sempre neste triste tom,
“É o vento, e nada mais.”

Entrou grave e nobre corvo,
Digno dos contos medievais,
Pousou lento no busto, alvo,
D’atena,nestes meus umbrais,
Não me fez qualquer cumprimento,
Foi, pousou, e nada mais.

“Tens todo aspecto tosquiado”
Ò ave, migrada dos infernos,
Diz-me o teu nome,danado,
D’alto desses teus rituais,
com mais de mil e um séculos,
Disse o corvo, “Nunca mais”.

Fiquei pasmado d’ouvir falar,
Inda que pouco clara ,esta’ ve
Rara pousada no busto,grave
E preto ,no alvo alabastro,
Ave e bicho, d’alarve olhar
Com o nome “Nunca mais”.

Mas o corvo ficou calado
Augusto e empoleirado.
Perdido,eu murumrei lento,
“Amigos, sonhos – mortais Todos–
Todos foram. Amanhã te’vais”
Disse o corvo, “Nunca mais”.

Que frase tão sabida esta,
Por ser voz usual , aprendida,
Ou d’ algum don,desgraçada vida
Em tom se quebrou nesta porta
De seu canto cheio d’ais
Era este “Nunca mais”.

Mas troçando da vil amargura
Sentei pois defronte dela
E Enterrado na cadeira
Pensei nos agoiros dela
Em gritos de tempos ancestrais
Como aquele “Nunca mais”.

Pensava nisto,olhando frente
A frente a ave ,olhos cravados
Na minh’alma,manta de retalhos
De luzes vestutas, em veludos,
Neles Punha sombras in’ iguais
E Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se o ar denso,como incenso

Submited by

Sunday, December 20, 2009 - 21:39

Ministério da Poesia :

Your rating: None Average: 5 (1 vote)

Joel

Joel's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 16 weeks 3 days ago
Joined: 12/20/2009
Posts:
Points: 42284

Comments

Joel's picture

Fez-se o ar denso,como incenso

Fez-se o ar denso,como incenso

Add comment

Login to post comments

other contents of Joel

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/General Feitiço da Terra 0 4.812 01/07/2011 - 17:55 Portuguese
Poesia/General Nem Que 0 3.648 01/07/2011 - 17:53 Portuguese
Poesia/General Flor Bela 0 3.181 01/07/2011 - 17:52 Portuguese
Poesia/General Manhã Manhosa 0 3.594 01/07/2011 - 17:51 Portuguese
Poesia/General Panfleto 0 2.830 01/07/2011 - 17:49 Portuguese
Poesia/General Pátria minha 0 5.650 01/07/2011 - 17:48 Portuguese
Poesia/General Quero fazer contigo ainda muitas primaveras... 0 6.111 01/07/2011 - 17:47 Portuguese
Poesia/General O templo 0 3.507 01/07/2011 - 17:46 Portuguese
Poesia/General cacos de sonhos 0 3.990 01/07/2011 - 17:44 Portuguese
Poesia/General O Triunfo do Tempo 0 3.615 01/07/2011 - 17:36 Portuguese
Poesia/General Nau d'fogo 4 6.045 01/07/2011 - 10:06 Portuguese
Poesia/General Carta a uma poeta 4 2.840 01/06/2011 - 15:00 Portuguese
Poesia/Gothic Dò,Ré,Mi... 1 3.801 12/30/2010 - 14:16 Portuguese
Poesia/General Príncipe Plebeu 1 3.861 12/29/2010 - 22:29 Portuguese
Poesia/General Tenho saudades de quando ignorava que havia mundo… 1 4.748 12/29/2010 - 22:26 Portuguese
Poesia/General buracos de alfinetes 2 5.846 12/22/2010 - 22:53 Portuguese
Prosas/Others o transhumante 0 3.806 12/21/2010 - 23:11 Portuguese
Prosas/Others N2 0 8.150 12/21/2010 - 23:08 Portuguese
Prosas/Contos Batel 0 5.785 12/21/2010 - 22:53 Portuguese
Prosas/Contos Horus 0 5.156 12/21/2010 - 22:52 Portuguese
Prosas/Fábula Núria's Ring 0 6.734 12/21/2010 - 22:50 Portuguese
Poesia/General Há-de vento 0 4.690 12/21/2010 - 11:21 Portuguese
Poesia/General Altos 0 7.595 12/21/2010 - 11:12 Portuguese
Poesia/General Flores Indizíveis 1 3.413 12/18/2010 - 22:47 Portuguese
Poesia/General Samarkand 1 5.167 12/17/2010 - 19:32 Portuguese