Retorno
Retorno
Voltei da morte,
órfão.
Desci as escadas
do empório;
entre os móveis
e os suspensórios,
minha alma escorre.
Que alma?
Voltei da morte;
nada enxergo
senão a vida;
nada receio
de seus conselhos.
Tudo me intriga
e sou tão velho
nesta medida.
Voltei da morte,
tão cheio de arte
e de requintes
que todo afinco
no amor é parte.
Voltei da morte.
Larga a viagem
de meus confrontos.
Espelho torto,
vejo-me nela.
posta num canto.
Que alma é esta,
feita de engodos
e de florestas?
Nascida há pouco,
morta num pasmo,
ressuscitada,
deixada ao largo?
Voltei da morte,
voltei a salvo
do julgamento
e outros contágios,
achando em tudo
diverso modo,
diverso enleio
e o parentesco
vazio de enredo.
Voltei da morte
tão estrangeiro
na sua ordem,
descontraído,
míope no esforço
de compreendê-la,
estando morto.
Voltei, a tempo
e, a contragosto.
Carlos Nejar
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