SOUTAMÉRICA
Na América do Diabo
brilha a lua,
inocente e bela
sem saber que a espreitam
espanhóis e portugueses
somente por brilhar amarela.
Para trazer Deus aos silvícolas
urgem espadas, algemas, arcabuzes
bestas de todos os tipos.
Cortez, Pizarro e outras delas,
com a empunhadura em cruz
das lâminas afiadas
esfolam ouro nas peles que, dignas,
postaram-se contra a fidalguia esparolada
dos cristãos que movem cruzadas
ocultando ouro na fé, esmeralda e muita prata.
Em busca do Eldorado
devastaram Potosí, Montezuma
Ouro Preto.
Venceu os índios o deslumbro,
não a força ou medo.
A América do demo propiciou,
com sua riqueza,
o requinte das realezas,
que se reerguessem reinos falidos
à custa do negro e do índio.
Contraste que emociona o esteta:
a morenez do índio
o negrume do preto
as pepitas amarelas
que guardava o chão
florindo sobre a terra
riqueza de aluvião.
América, açúcar preparando
ouro.
Negro cativo, índio massacrado,
ouro.
Ouro abrindo as portas do céu expansionista
financiando grandes conquistas.
Acumulado na matriz
gera empresas, centros urbanos
Hércules de potentíssimos neurônios
restando a América do abandono.
A América do inferno
Édem terrestre de outrora
esburacada, vazia, destripada,
assesta seus milhões de famintos
contra a América do sonho
que, herdeira protestante da crueldade cristã espanhola,
Escraviza, dizima, espezinha
impera, destrói e desola.
A América, herdeira de Espanha e Portugal,
ensarilha suas baionetas úmidas
arma seus soldados comerciantes
com desprezo por quem não lhe é igual.
Da América do sacrifício
ouve-se a voz do índio:
‘Pai de todos os pobres, de todos
os miseráveis e desvalidos,
ajudai-me a fugir de Tinta!’
Clama a voz no fundo da mina.
O pai de Todos não escuta clamores,
adormecido no seio Inca.
Mastigando coca, ouvindo tambores,
esqueceu-se dos irmãos da Mita.
‘Pai de todos os tortos, entrevados
e opressados nessa liça,
ajuda a fugir da Mina’’
Clama outra voz no céu de Tinta
Túpac Amaru, para falar aos índios,
necessita de língua, perdida em Wacaypata
necessita da cabeça, em Tinta
do braço direito, em Tungasuca
do esquerdo, em Carabaya
da perna esquerda, em Santa Rosa
da direita, em Livitaca.
Túpac quer seu tronco
lançado em cinzas no Watanay,
quer ouvir seus filhos, enviados
para o lado direito do Pai.
Amaru quer regressar à vida
para tirar de dentro da Mita
seus irmãos que clamam ajuda
contra a força que os escraviza.
Túpac Amaru, sentado no chão batido
de uma tribo no olvido das batalhas
chora em Potosi, Zacatecas, Guanajanauto,
Outo Preto, Colque, Porto, Andacaba, Huanchaca.
Cura as feridas gangrenadas
de Atahualpa, do Caribe, dos Maias,
Tenochtitlán, Cajamarca,
Cuzco, Cuauhtémoc, Guatemala.
Observa, com olhos sulfurados,
Colombo, Fernão Cortez, Pedro de Alvarado,
fere, com mágoa, a lembrança do
Criador de porcos, Don Pizarro.
’Ó Pai de todos os mendigos,
inimigo dos dueños de la tierra,
ajudai-me a fugir dessa América!’
Gane uma voz no sétimo inferno da Mita
com os pulmões endurecidos de sílica
Túpac Amaru, sem lágrimas ou ferocidade,
abre seus braços de morto que dão a única fuga
abrigando, em sua redoma, os irmãos da Mita
que rapidamente ascendem aos céus de Tinta.
Os índios centro-sul americanos
acolhem-se na morte aos braços da liberdade.
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