Os ombros suportam o mundo (Carlos Drummond de Andrade)

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue,
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade.

Submited by

Martes, Julio 12, 2011 - 14:21

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 6 años 44 semanas
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Dedicada Auto de Natal 2 3.352 12/16/2009 - 02:43 Portuguese
Poesia/Meditación Natal: A paz do Menino Deus! 2 5.056 12/13/2009 - 11:32 Portuguese
Poesia/Aforismo Uma crônica de Natal 3 4.071 11/26/2009 - 03:00 Portuguese
Poesia/Dedicada Natal: uma prece 1 2.808 11/24/2009 - 11:28 Portuguese
Poesia/Dedicada Arcas de Natal 3 5.413 11/20/2009 - 03:02 Portuguese
Poesia/Meditación Queria apenas falar de um Natal... 3 6.009 11/15/2009 - 20:54 Portuguese