Rosa do Mundo (Ossip Mandelstam)

Não, eu não sou de ninguém contemporâneo,
para uma honra tal não estou pronto.
É que nojo me provoca um tal homônimo,
dizer que não fui eu, foi o outro.

Duas sonolentas maçãs o século-rei ostenta
e magnífica boca de barro,
mas, moribundo, à mão enlanguescente
do filho a envelhecer se agarra.

A compasso do século ergui também as pálpebras
doentias – duas maçãs grandes.
Contavam-me histórias de humanos pleitos inflamados
os rios largos e retumbantes.

Há cem anos branquejava com suas travesseiras
uma cama leve e desdobrável,
e estirou-se estranho o corpo de barro, a primeira
embriaguez do século findava.

Bem no meio da marcha tão rangente do mundo,
como é levíssima esta cama!
E pois não podemos forjar um outro do fumo,
com este século convivamos.

Num quarto quente, ou numa caverna, nas tendas
morre o século – e por último
sobre hóstia córnea duas maçãs sonolentas
resplandecem num fogo de pluma.

Ossip Mandelstam, poeta russo (1891-1938).

(in "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro";
tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra).


 

Submited by

Domingo, Agosto 28, 2011 - 20:34

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 6 años 49 semanas
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Dedicada A charrete-cegonha levava os rebentos para casa 0 2.866 07/08/2012 - 22:46 Portuguese
Poesia/Meditación A dor na cor da vida 0 1.170 07/08/2012 - 22:46 Portuguese
Poesia/Dedicada Os Catadores e o Viajante do Tempo 1 7.705 07/08/2012 - 00:18 Portuguese
Poesia/Alegria A busca da beleza d´alma 2 3.820 07/02/2012 - 01:20 Portuguese
Poesia/Dedicada Amigos verdadeiros 2 4.777 07/02/2012 - 01:14 Portuguese
Poesia/Meditación Por que a guerra, se há tanta terra? 5 3.319 07/01/2012 - 17:35 Portuguese
Poesia/Intervención Verbo Vida 3 6.273 07/01/2012 - 14:07 Portuguese
Poesia/Meditación Que venha a esperança 2 6.729 07/01/2012 - 14:04 Portuguese
Poesia/Intervención Neste Mundo..., de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 3.742 07/01/2012 - 13:34 Portuguese
Poesia/Intervención Do Eterno Erro, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 8.275 07/01/2012 - 13:34 Portuguese
Poesia/Intervención O Segredo da Busca, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 2.781 07/01/2012 - 13:34 Portuguese
Poesia/Dedicada Canções sem Palavras - III 0 5.132 06/30/2012 - 22:24 Portuguese
Poesia/Intervención Seja Feliz! 0 4.216 06/30/2012 - 22:14 Portuguese
Poesia/Meditación Tempo sem Tempo (Mario Benedetti) 1 4.029 06/25/2012 - 22:04 Portuguese
Poesia/Dedicada Uma Mulher Nua No Escuro 0 5.428 06/25/2012 - 13:19 Portuguese
Poesia/Amor Todavia (Mario Benedetti) 0 3.783 06/25/2012 - 13:19 Portuguese
Poesia/Intervención E Você? (Charles Bukowski) 0 3.602 06/24/2012 - 13:40 Portuguese
Poesia/Aforismo Se nega a dizer não (Charles Bukowski) 0 3.578 06/24/2012 - 13:37 Portuguese
Poesia/Aforismo Sua Melhor Arte (Charles Bukowski) 0 2.791 06/24/2012 - 13:33 Portuguese
Poesia/Tristeza Não pode ser um sim... 1 4.789 06/22/2012 - 15:16 Portuguese
Poesia/Aforismo Era a Memória Ardente a Inclinar-se (Walter Benjamin) 1 3.068 06/21/2012 - 17:29 Portuguese
Poesia/Amistad A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se (Walter Benjamin) 0 3.675 06/21/2012 - 00:45 Portuguese
Poesia/Aforismo Vibra o Passado em Tudo o que Palpita (Walter Benjamin) 0 6.284 06/21/2012 - 00:45 Portuguese
Poesia/Aforismo O Terço 0 2.753 06/20/2012 - 00:26 Portuguese
Poesia/Desilusión De sombras e mentiras 0 0 06/20/2012 - 00:23 Portuguese