CALADA MAIS CALADA QUE O SILÊNCIO


A noite cai. Abraça-me
como pedra atirada sem leme
pelo mar revolto dos meus olhos.

Traz quimeras como ondas em crista cinza.
Borrascas como sorrisos se desvaneçam
numa praia de fogos desamparados.

Fogos onde ardem sementes
que não colho. Labaredas despedaçadas
como vento em desnorte pela caligrafia da alma.

A noite veste solidão para me adereçar de tristeza.
Calça o tempo em passo largo para me pisar.

Calada mais calada que o silêncio.

Maior que si própria. Contumaz em estrelas
como pulgas a sugar o fôlego do meu infinito.

O seu breu é uma estrada em recta
no meu céu de curvas e contra curvas.

Bandeja de luares em luas turvas.
Eira de sonhos. Eclipses como cama em coma.

Olho descomunal como janela de água
onde jorra o medo numa fusão de escuro e mágoa.

A noite é um moinho
de pássaros sem asas que fazem ninho
na voz da madrugada que me esmaga de ansiedade.

Alvor como animal ferido jaz sozinho nos nós dos ais
que se desatam loucos pelas teias das minhas palavras.

Mais negra que o preto, a noite indaga
pelos meus poros como borbulhas de lodo.

Rodopia-me a cabeça como coroa de alfabetos gagos
que a saudade soletra em pranto num fio de luz trôpega.

Universo que de letra em letra se esfuma
como incenso de distâncias a perfumar o ar que respiro.

É também a noite pedra que atiro
para flutuar como borboleta assassina
sobre os lagos do meu corpo e matar o vazio.

Usar o seu frio como canoa que me leve ao peso da aurora
onde outrora as canções eram gotas de orvalho brilhantes.

Agora lágrimas como alho nos meus lábios carentes.

 

 


 

Submited by

Jueves, Octubre 6, 2011 - 00:38

Poesia :

Su voto: Nada (1 vote)

Henrique

Imagen de Henrique
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 9 años 34 semanas
Integró: 03/07/2008
Posts:
Points: 34815

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Henrique

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Pensamientos DA POESIA 1 8.509 05/26/2020 - 23:50 Portuguese
Videos/Otros Já viram o Pedro abrunhosa sem óculos? Pois ora aqui o têm. 1 47.206 06/11/2019 - 09:39 Portuguese
Poesia/Tristeza TEUS OLHOS SÃO NADA 1 6.878 03/06/2018 - 21:51 Portuguese
Poesia/Pensamientos ONDE O INFINITO SEJA O PRINCÍPIO 4 6.931 02/28/2018 - 17:42 Portuguese
Poesia/Pensamientos APALPOS INTERMITENTES 0 6.742 02/10/2015 - 22:50 Portuguese
Poesia/Aforismo AQUILO QUE O JUÍZO É 0 6.605 02/03/2015 - 20:08 Portuguese
Poesia/Pensamientos ISENTO DE AMAR 0 7.141 02/02/2015 - 21:08 Portuguese
Poesia/Amor LUME MAIS DO QUE ACESO 0 7.043 02/01/2015 - 22:51 Portuguese
Poesia/Pensamientos PELO TEMPO 0 5.660 01/31/2015 - 21:34 Portuguese
Poesia/Pensamientos DO AMOR 0 5.420 01/30/2015 - 21:48 Portuguese
Poesia/Pensamientos DO SENTIMENTO 0 5.323 01/29/2015 - 22:55 Portuguese
Poesia/Pensamientos DO PENSAMENTO 0 6.079 01/29/2015 - 19:53 Portuguese
Poesia/Pensamientos DO SONHO 0 4.742 01/29/2015 - 01:04 Portuguese
Poesia/Pensamientos DO SILÊNCIO 0 6.043 01/29/2015 - 00:36 Portuguese
Poesia/Pensamientos DA CALMA 0 5.463 01/28/2015 - 21:27 Portuguese
Poesia/Pensamientos REPASTO DE ESQUECIMENTO 0 4.561 01/27/2015 - 22:48 Portuguese
Poesia/Pensamientos MORRER QUE POR DENTRO DA PELE VIVE 0 5.640 01/27/2015 - 16:59 Portuguese
Poesia/Aforismo NENHUMA MULTIDÃO O SERÁ 0 5.382 01/26/2015 - 20:44 Portuguese
Poesia/Pensamientos SILENCIOSA SOMBRA DE SOLIDÃO 0 6.314 01/25/2015 - 22:36 Portuguese
Poesia/Pensamientos MIGALHAS DE SAUDADE 0 4.208 01/22/2015 - 22:32 Portuguese
Poesia/Pensamientos ONDE O AMOR SEMEIA E COLHE A SOLIDÃO 0 4.951 01/21/2015 - 18:00 Portuguese
Poesia/Pensamientos PALAVRAS À LUPA 0 5.550 01/20/2015 - 19:38 Portuguese
Poesia/Pensamientos MADRESSILVA 0 4.382 01/19/2015 - 21:07 Portuguese
Poesia/Pensamientos NA SOLIDÃO 0 6.338 01/17/2015 - 23:32 Portuguese
Poesia/Pensamientos LÁPIS DE SER 0 5.869 01/16/2015 - 20:47 Portuguese