Um despertar (Octavio Paz)

Estava emparedado dentro de um sonho,
Seus muros não tinham consistência
Nem peso: seu vazio era seu peso.

Os muros eram horas e as horas
Fixo e acumulado pesar.
O tempo dessas horas não era tempo.

Saltei por uma fenda: às quatro
Deste mundo. O quarto era meu quarto
E em cada coisa estava meu fantasma.
Eu não estava. Olhei pela janela:
Sob a luz elétrica nem uma viva alma.
Reflexos na vela, neve suja,
Casas e carros adormecidos, a insônia
De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário,
O vento e suas navalhas, a escritura
Das constelações, ilegíveis.

Em si mesmas as coisas se abismavam
E meus olhos de carne as viam
Oprimidas de estar, realidades
Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos
Eram almas penadas pelo mundo.
Na rua vazia a presença
Passava sem passar, desvanecida
Em suas formas, fixa em suas mudanças,
E em volta casas, carvalhos, neve, tempo.
Vida e morte fluíam confundidas.

Olhar desabitado, a presença
Com os olhos de nada me fitava:
Véu de reflexos sobre precipícios.
Olhei para dentro: o quarto era meu quarto
E eu não estava. A ele nada falta
          - sempre fiel a si, jamais o mesmo -
ainda que nós já não estejamos...

Fora
contudo indecisas, claridades:
a Alba entre confusos telhados.
E as constelações que se apagavam     

Octavio Paz, poeta mexicano, tradução por António Moura. 

Submited by

Domingo, Enero 22, 2012 - 00:14

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 6 años 48 semanas
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Poetrix Poemas - de "Magma" (Guimarães Rosa) 2 27.687 06/11/2019 - 11:48 Portuguese
Videos/Musica Ave Maria - Schubert (Andre Rieu & Mirusia Louwerse) 1 50.960 06/11/2019 - 11:02 Inglés
Poesia/Fantasía Cabelos de fogo 0 7.113 04/28/2018 - 21:38 Portuguese
Poesia/Dedicada A criança dentro de ti 0 5.753 04/28/2018 - 21:20 Portuguese
Poesia/Pensamientos O porto espiritual 0 7.193 04/28/2018 - 21:00 Portuguese
Poesia/Dedicada Ano Novo (Ferreira Gullar) 1 5.664 02/20/2018 - 19:17 Portuguese
Prosas/Drama Os ninguéns (Eduardo Galeano) 0 10.385 12/31/2017 - 19:09 Portuguese
Poesia/Dedicada Passagem de ano (Carlos Drummond de Andrade) 0 7.679 12/31/2017 - 18:59 Portuguese
Prosas/Contos Um conto de dor e neve (AjAraujo) 0 13.387 12/20/2016 - 11:42 Portuguese
Prosas/Contos Conto de Natal (Rubem Braga) 0 11.077 12/20/2016 - 11:28 Portuguese
Prosas/Contos A mensagem na garrafa - conto de Natal (AjAraujo) 0 14.556 12/04/2016 - 13:46 Portuguese
Poesia/Intervención Educar não é... castigar (AjAraujo) 0 7.421 07/08/2016 - 00:54 Portuguese
Poesia/Intervención Dois Anjos (Gabriela Mistral) 0 8.749 08/04/2015 - 23:50 Portuguese
Poesia/Dedicada Fonte (Gabriela Mistral) 0 6.776 08/04/2015 - 22:58 Portuguese
Poesia/Meditación O Hino Cotidiano (Gabriela Mistral) 0 7.334 08/04/2015 - 22:52 Portuguese
Poesia/Pensamientos As portas não são obstáculos, mas diferentes passagens (Içami Tiba) 0 10.160 08/02/2015 - 23:48 Portuguese
Poesia/Dedicada Pétalas sobre o ataúde - a história de Pâmela (microconto) 0 12.065 03/30/2015 - 11:56 Portuguese
Poesia/Dedicada Ode para a rendição de uma infância perdida 0 9.252 03/30/2015 - 11:45 Portuguese
Poesia/Tristeza Entre luzes e penumbras 0 6.863 03/30/2015 - 11:39 Portuguese
Poesia/Tristeza No desfiladeiro 1 9.521 07/26/2014 - 00:09 Portuguese
Poesia/Intervención Sinais da história 0 6.903 07/17/2014 - 00:54 Portuguese
Poesia/Fantasía E você ainda acha pouco? 0 7.074 07/17/2014 - 00:51 Portuguese
Poesia/Aforismo Descanso eterno 2 8.330 07/03/2014 - 22:28 Portuguese
Poesia/Intervención Paisagem (Charles Baudelaire) 0 7.807 07/03/2014 - 03:16 Portuguese
Poesia/Meditación Elevação (Charles Baudelaire) 0 10.018 07/03/2014 - 03:05 Portuguese