Orfeu Rebelde (Miguel Torga)
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que ha' gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
Pseudónimo do médico Dr. Adolfo Rocha. Natural de Trás-os-Montes, viveu e exerceu a sua profissão em Coimbra onde faleceu no ano de 1995. Entre muitos outros prêmios, figura o da Sociedade Portuguesa de Escritores. Do livro "Libertação" - 3ª. edição - Coimbra (1960)
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