Fuga em azul menor (Cassiano Ricardo)

O meu rosto de terra
ficará aqui mesmo
no mar ou no horizonte.
Ficará defronte
à casa onde morei.
Mas o meu rosto azul,
O meu rosto de viagem,
esse, irá pra onde irei.

Todo o mundo físico
que gorjeia lá fora
não me procure agora.
Embarquei numa nuvem
por um vão de janela
dos meus cinco sentidos.

E que adianta a alegria
dizer que estou presente
com o meu rosto de terra
se não estou em casa?

Inútil insistência.
Cortei em mim a cauda
das formas e das cores.
(A abstração é uma forma
de se inventar a ausência)
e estou longe de mim
nesta viagem abstrata
sem horizonte e fim.

Um dia voltarei
qual pássaro marítimo,
numa tarde bem mansa
à hora do sol posto.
Então, loura criança,
Ouvirás o meu ritmo
e me perguntarás:
quem és tu, pobre ser?
Mas, eu vim de tão longe
e tão azul de rosto
que não me podes ver.

A graça de quem mora
no país da ausência
certo consiste nisto:
ficar azul de rosto
pra não poder ser visto.

Cassiano Ricardo, poeta brasileiro.

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Viernes, Abril 6, 2012 - 02:27

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AjAraujo

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Comentarios

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fugas

quem nunca sentiu urgência
de fugir de si próprio?!
Um tema comum ao espírito poético
aqui muito bem trabalhado
neste poema.

Saudações!

Abilio

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