OS GÉMEOS - 30
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Um quarto de hora depois James ainda não tinha regressado e os três impacientavam-se, porque já haviam esgotado há muito a sua capacidade para se conservarem tranquilos quando a sua vontade era a de continuarem a discutir as medidas que deveriam tomar para se libertarem pelo menos da sensação cada vez mais obsessiva de que os actos policiais que pendiam sobre o ramerrão da sua actividade iriam tornar-se irritantes, se não mesmo execráveis.
— O senhor que estava a acompanhá-los deixou este bilhete no balcão, para lhes ser entregue. Façam o favor. — disse o empregado que os tinha servido, muito atencioso, colocando em cima da mesa, mais perto de William, um pequeno rectângulo de cartolina branca, dobrado ao meio, tendo na face de cima a mancha de um grande gato preto de pelo eriçado, a marca do Black Cat.
Num gesto instintivo todos fizeram menção de apanhar o bilhete, mas elas acabaram por retrair-se, compreendendo que cabia a William a iniciativa de ler o recado, e deixaram que fosse ele, também hesitante, a pegar no cartão.
“Estou desolado. Surgiu a necessidade de me ausentar de imediato. Trata-se apenas de negócios, mas inadiáveis. Acreditem que estou tão desolado que nem tenho coragem para ouvir a vossa justa censura. Perdoem-me a indelicadeza.
William, está tudo sob controlo. Não te inquietes sem necessidade. Em breve terás mais notícias minhas. Um abraço. Beijinhos para as senhoras.”
— James é assim. Aparece e desaparece, num ápice. — comentou William, entregando o bilhete a Louise, depois de o ter voltado a dobrar e de uns instantes de séria observação do desenho do gato.
Louise nem quis ler o recado, passando-o logo para Hana, mas no seu rosto apagou-se a ansiedade que uma atenção mais perspicaz teria notado logo desde a entrada deles no Black Cat. — Está tudo sob controlo. — repetiu ela com um significativo encolher de ombros dirigido a William. — Não é o que ele diz? Então é porque está. Tenho andado sob forte tensão nervosa. Agora fico melhor. Mas em contrapartida sinto-me muito cansada. Por mim, acabava a festa. Apetece-me ir para casa dormir.
— Vamos embora, William. — anuiu Hana, a servir-se do canto do cartãozito para coçar o queixo. — Aqui, ainda não descobri quem quer que seja, conhecido, que possa ajudar-nos. E dos empregados, não me lembro da cara de nenhum. O porteiro bem disse que hoje era outro turno. Não percamos mais tempo!
Que raio de polícia! Estava farto de saber que ele era inocente, mas cismava em espiolhar a sua vida, como se quisesse castigá-lo por ter uma amante simplória. Com um pouco de imaginação, e mais a mexeriquice da terra, Amélia viria também à baila e a autoridade não tardaria a crucificá-lo como um depravado, intitulando-se cientista, a quem não bastava ter duas atraentes estrangeiras para inteiro serviço, como ainda desencaminhava provincianas incautas. — reflectiu William consigo próprio, agastado por não se atrever a pronunciar perante elas um pensamento tão lógico quanto brejeiro.
A visita do inspector policial não teve lugar no dia seguinte como havia sido prometida, e no entanto isso não evitou que esse tivesse sido um dia estragado para William e para Hana. De facto, não teve lugar naquele dia nem veio a ser realizada alguma vez. Mas, como eles não souberam sequer que logo ao princípio da manhã o detective recebera informação que desviava deles por completo o curso das investigações, perderam horas preciosas de trabalho, vigilantes para que o homem, usando os seus truques profissionais, lhes não invadisse os domínios sem que eles o notassem e, como seria fatal, deduzisse estúpidas conclusões, e apostados em atestar-lhe com argumentação pedagógica que, autoridade que ele fosse, a ciência e os seus lugares, e também as pessoas dos seus praticantes, deveriam ser respeitados com a máxima dignidade.
À hora de jantar estavam furiosos. Perspectivavam tacitamente o dia seguinte como um dia de guerra. E quando Louise lhes apareceu com a boa notícia de que, por acaso ou por alguma intervenção oportuna que ela não saberia identificar, a polícia se desinteressara deles, a sua primeira reacção foi quase de hostilidade, de tal modo o seu espírito estava carregado de invectivas contra o frustrado invasor, e só decorridos alguns minutos lhes veio a indiferença e depois, de súbito desaparvalhados, então a divertida gargalhada, já reconciliados com o imaginado descaminhamento abusivo da sua pacatez.
Muito curioso, ou sagaz, o envolvimento empenhado de Hana no desenrolar do incidente que, na verdade, tinha sido crítico para William, mas que não a chegara a importunar em pessoa mais do que em excitação e maçada. — considerou Louise. Ela própria, que sabia bem os inconfidenciáveis passos que dera, despoletando a pronta actuação de James e a sua apesar de tudo incompreensível deslocação ao encontro deles, concordava que fora ultrapassada por Hana em matéria de testemunho de inquietação e solicitude. Tanto se interessava por privar com aquela mulher e tanto ia até contribuindo para que a sua personalidade e o seu comportamento cada vez mais abandonassem a timidez da sua reservada índole, que acabava por se admirar pela invulgar naturalidade com que Hana assumia um temperamento deveras consonante com a sua ocidentalidade adoptiva, e em particular pela activa solidariedade presente na relação dela com William, a qual seria razoável quedar-se nos limites do comum interesse científico.
Zeca não pudera vingar-se de outra maneira mais hostil, mas pelo menos conseguira a proeza de introduzir desapropriada conturbação no sossego sempre buscado por William para ambiente dos seus trabalhos. E mesmo depois de terminada a agitação ficara com ele um estranho sentido de impotência, agravado por alguns resultados de experiências que tinham desembocado em conclusões improváveis ou disparatadas.
Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
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