Menino de Rua

Espremi o mundo em busca do sumo,
mas não achei nem o rumo.
Nunca fui na Escola;
meu padrasto, faz-me de esmola.
E a fome me amola até sentir o baque da cola.
Limpo pára-brisas e rezo sem crença.
Sou sujo de nascença e de feia presença.
(No "tecido social" eu sou a doença,
como diz qualquer Dr. Excelência)
Peço ajuda à dona-tia-senhora
(louca para fugir sem demora)
e do seu medo eu lucro um trocado,
que logo gasto na "biqueira" ao lado.
Da boca sem dente, vem a vontade de ser gente.
Da boca banguela vem a vontade de sair da favela.
De ter um "cano" na fivela, arroz na panela
e até o amor da moça donzela
que peregrina em Santiago de Compostela.
Do meu nariz escorre suja coriza,
do macilento rosto despenca raiva e desgosto.
Eu sou o oposto.
Sou menino do Brasil e durmo sob o azul-anil
até que me acorde o cão-pastor do canil.
Levo a vida fugindo de "bala perdida"
e da santa caridosa bandida.
E sempre escuto: mude de vida!
Como se existisse tal saída.
Como se aqui, eu estivesse por escolha
dessa minha vista caolha.
Já lustrei sapatos e calçadas,
tomei todas as burguesas "porradas"
e não quero acreditar que isso ainda vai retornar.
Olham-me como ameaça.
Parido por desgraça de uma barriga cheia de cachaça.
Mas o que eu queria era ser só mais um.
Desses, que não metem medo e a quem se confia um segredo.
Desses, que choram pelo Poeta em degredo
ou das dores do samba-enredo.
É coisa pouca: casa, afeto, comida e roupa.
Poder dispensar a caridosa sopa,
servida pelo moço que quer o troco:
ser um  Santo (do pau oco).
Pois nessa vida nada se dá. Só se troca.
É o medo de acabar numa maloca, vendendo tapioca.
Mas agora, SENHOR, licença. O sinal fechou.
O esperto não vacilou,
mas a moça pequena só me olha com pena.
Por isso irá morrer.
Não sei assoprar. Só morder.
Uso o "estoque" como baliza e o sangue não me horroriza.
Sou bicho-fera: se bobear, "já era".
Mas não se preocupe meu "bom burguês".
Da Policia eu sou freguês e Posseiro em qualquer xadrês.
Logo ficarei sob outra tutela, sem velório, coroa e vela.
Não deixarei saudades e nem levarei amizades.
Irei sozinho na morte, como só, eu fui na vida.
Uma rebarba atrevida, dessa sociedade falida.

Dedicado ao Dr. Bruno Baghin, cuja jovem e lúcida coragem renovam a minha esperança.

Procução e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Relações com o Público, Rio de Janeiro, inverno de 2014.

Submited by

Lunes, Agosto 4, 2014 - 16:16

Poesia :

Sin votos aún

fabiovillela

Imagen de fabiovillela
Desconectado
Título: Moderador Poesia
Last seen: Hace 8 años 3 semanas
Integró: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Comentarios

Imagen de emiliafigueiredo

R: MENINO DE RUA

UMA..REALIDADE..MUITO..TRISTE..AMIGO..FÁBIO

HÁ MUITO QUE AQUI NÃO VINHA...ABRAÇO

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of fabiovillela

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/General Vagos 0 1.203 08/21/2014 - 22:37 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte XI - A Ética baseada na Sabedoria 0 2.590 08/20/2014 - 16:07 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte XI - A Ética baseada no Saber 0 2.015 08/19/2014 - 16:33 Portuguese
Poesia/Amor Habitas 0 3.198 08/18/2014 - 14:41 Portuguese
Prosas/Otros Pobres velhos... Tristes tempos... 0 3.739 08/16/2014 - 22:32 Portuguese
Poesia/Dedicada A dor de Cesária 0 783 08/16/2014 - 01:38 Portuguese
Poesia/Amor As Histórias 0 3.624 08/14/2014 - 16:54 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte X - Matéria e Mente 0 1.861 08/14/2014 - 16:46 Portuguese
Poesia/Dedicada Ana e Flávia 0 900 08/13/2014 - 15:50 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte IX - Deus e a Natureza 0 2.612 08/12/2014 - 23:51 Portuguese
Poesia/Dedicada Os Pais 0 1.781 08/10/2014 - 14:53 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte VIII - A Ética - Livro III, IV e V - A Moral Geométrica 0 2.762 08/10/2014 - 03:06 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte VIII - Livro II (Da Mente) o Homem 0 656 08/08/2014 - 15:41 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte VI - A Ética - Preâmbulo e Livro I 0 1.709 08/07/2014 - 15:13 Portuguese
Poesia/General Saguão 0 1.622 08/05/2014 - 16:35 Portuguese
Prosas/Otros Jorge Luis Borges - O OUTRO - Resenha 0 3.577 08/05/2014 - 15:40 Portuguese
Poesia/Amor Demiurgo 0 1.737 08/03/2014 - 16:43 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte VI - O Progresso do Intelecto 0 1.509 08/02/2014 - 22:06 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte V - Tratado sobre a Religião e o Estado 0 2.360 08/01/2014 - 16:42 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte IV - após a expulsão 0 2.384 07/30/2014 - 14:42 Portuguese
Poesia/Amor Cristais 0 997 07/29/2014 - 01:44 Portuguese
Poesia/General Temporal 0 1.824 07/26/2014 - 21:24 Portuguese
Poesia/General Livres 0 1.603 07/26/2014 - 01:05 Portuguese
Poesia/Amor Habitastes 1 1.809 07/25/2014 - 23:49 Portuguese
Prosas/Otros Spinoza e o Panteísmo - Parte II - A formação do jovem Baruch 0 2.106 07/24/2014 - 16:08 Portuguese