Fonte (Gabriela Mistral)

No fundo do horto,
uma fonte viva brota,
cega, de longos cabelos,
sem ser de espumas ferida,
que não atrai, de tão baixa,
e não cresce, de tão fina.

Da concha de minhas mãos
resvala e foge sombria.
E, de abaixada que brota,
de joelhos é bebida,
e levo a ela somente
as sedes que mais se inclinam:
a sede das pobres bestas,
a das crianças, a minha.

Na luz ela não estava
e na noite não se ouvia
mas desde que a encontrei
ouço-a mesmo adormecida,
pois o que dele provém
é como punção divina,
ou como segundo sangue
que o peito desconhecia.

Era ela que molhava
os olhinhos das novilhas.
E na colheita abundante
era ela que ia e vinha,
falando com minha fala,
que aos pastos arrepia.

Não era a saltos de lebre
que da serra ela descia.
Subiu a romper carbúnculos
e a morder a cala fria.

A velha terra noturna
lhe retalhava a fugida;
mas chegou à sua querência
viajando mais que Tobias.

(No Horto das Oliveiras,
Aquele que ali vertia
nem o olharam os tronco,
e a noite nada vida,
e nem se ouviu o seu sangue,
de abaixado que corria.

Mas tal água de amargura,
que por todos nós foi vista,
que nos amou sem sabermos
e caminhou dois mil dias,
como agora a deixaremos
na noite assim desvalida?
E como dormir do modo
como quando não se ouvia?)

Gabriela Mistral (1889-1957), poetisa chilena e Nobel de Literatura.

Submited by

Martes, Agosto 4, 2015 - 22:58

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 7 años 2 días
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Intervención A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 12.606 07/03/2014 - 02:55 Portuguese
Poesia/Intervención Coração avariado 1 5.717 06/25/2014 - 03:09 Portuguese
Poesia/Fantasía Flores bonecas 2 3.940 06/24/2014 - 20:14 Portuguese
Poesia/Intervención Caminho de San Tiago 0 5.430 06/24/2014 - 00:31 Portuguese
Poesia/Soneto Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 5.112 06/20/2014 - 21:04 Portuguese
Poesia/Soneto Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 5.356 06/19/2014 - 23:27 Portuguese
Poesia/Meditación Sonhe (Clarice Lispector) 1 7.362 06/19/2014 - 23:00 Portuguese
Poesia/Intervención Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 6.594 06/19/2014 - 22:44 Portuguese
Poesia/Intervención Precisão (Clarice Lispector) 0 7.918 06/19/2014 - 22:35 Portuguese
Poesia/Meditación Pão dormido, choro contido 1 4.189 06/13/2014 - 04:02 Portuguese
Poesia/Fantasía A dívida 1 4.504 06/12/2014 - 04:52 Portuguese
Poesia/Intervención Eco das Ruas 1 3.347 06/12/2014 - 04:38 Portuguese
Poesia/Aforismo Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 5.300 06/11/2014 - 11:22 Portuguese
Poesia/Aforismo O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 6.873 06/11/2014 - 11:19 Portuguese
Poesia/Intervención Espera... (Florbela Espanca) 0 3.114 03/06/2014 - 11:42 Portuguese
Poesia/Intervención Interrogação (Florbela Espanca) 0 5.863 03/06/2014 - 11:36 Portuguese
Poesia/Intervención Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 4.336 03/06/2014 - 11:32 Portuguese
Poesia/Soneto Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 3.993 03/03/2014 - 13:16 Portuguese
Poesia/Dedicada Arte poética (Juan Gelman) 0 5.090 01/17/2014 - 23:32 Portuguese
Poesia/Dedicada A palavra em armas (Rubén Vela) 0 3.357 01/17/2014 - 23:01 Portuguese
Poesia/Fantasía A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 3.186 12/20/2013 - 12:00 Portuguese
Poesia/Dedicada Aqueles olhos sábios 0 5.454 10/27/2013 - 21:47 Portuguese
Poesia/Pensamientos Asteróides 0 4.414 10/27/2013 - 21:46 Portuguese
Poesia/Pensamientos O que se re-funda não se finda 0 4.872 10/27/2013 - 21:44 Portuguese
Poesia/Intervención Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 3.936 10/16/2013 - 00:14 Portuguese