A águia e o lírio
Vi dos céus rebentarem as luzes da alvorada.
Mais de uma vez o sol cobriu-me o rosto,
Energia viva divinal como encosto,
Mais de uma vez eu senti a vida pulsar.
O frescor das virações de outono,
O perfume das flores da primavera,
Os dias contentes que o astro esmera
E as noites febris de calor e prazer.
Nem o mais errante homem que procura,
Que não se encontra em seu devaneio,
Nem mesmo o teimoso de amarguras cheio,
Ninguém vagueia a esmo sem se encontrar.
Eu, errante, vi uma vez uma luz, um alento.
Encontrei-me, entre os arvoredos e as pedras,
Notei um sorriso, um archote dentre as trevas.
Fui guiado, inebriado pelo doce e único encanto.
Mesmo que as almas se completassem numa só,
Mesmo que me amasse sem os véus do receio
E na luz, enxergando você, me visse em teu seio,
Mesmo assim me deixaria, nas trevas, na angústia.
E vi tão rápido como a águia o seu lírio predileto,
Nos campos da imensidão, nas vidas que vivi sem lume.
Seu rosto contra o meu, sentindo teu doce perfume,
Como a triste águia sentiu o lírio que depois morrera.
Assim como Moisés, eu também vaguei no deserto.
Eu também lutei contra aqueles que duvidavam,
Na fome, pensei em ti, pedi o maná aos que oravam,
E tinha um beijo, uma migalha de esperança e fé.
Como a águia, que no deserto procura o alento parco,
Voei pelo deserto de pedra, em vão, já havia encontrado.
Como Moisés, que na fé abriu o mar e avançou guiado,
Eu também derrotei demônios e como ele eu não tive Canaã.
E que escolha devo tomar, oh águia de mesmo fado?
Qual povo que escolhe o ladrão ao invés do Salvador,
Eu também escolhi as trevas em vez do eterno calor.
Mas, assim como eles, minha decisão já era traçada.
Oh meu lírio, perdoe-me se chorei mais de uma vez,
Se mais de uma vez louvei uma esperança sem vida.
Como a águia que alça vôo na manhã arrefecida,
De paixão busca o lírio, sabendo que não mais existe.
E embarquei nos ventos que me levam ao pensamento.
Perdão, perdão oh meu lírio se te quis mais de uma vez,
Se te amei em minhas noites de delírios e languidez,
De sonhos irreais, o apanhei em pleno vôo...
Como a águia solitária, eu também voltei ao ninho.
Sem o lírio, seu vôo não tinha mais o encanto,
Não tinha mais seu farol, seu prazer e o manto...
No frio das noites, nem as lembranças te acalentam.
Assim como eu, que volvi ao meu forte solitário.
Com medo, sem carinho, é cinza a primavera colorida,
O jardim não mais me brilha, o sol não mais tem vida,
Não vejo o resplendor, não me vejo, onde estás meu lírio?
Onde estás oh águia robusta, tão bela e tão valente?
Por que não abre as asas e alça vôo no esplendor?
Onde tu te escondes nessa noite fria? Não procuras teu calor?
Não te aqueces sem teu lírio, não te encontro, desistiu?
Como voltar às primaveras e sentir esses perfumes?
Sentir no peito a viração e o frescor, doce e fria melodia.
Como a águia, não voltei ao ninho, perdido sem guia
Não encontrei alento, abandonado no silêncio, sucumbi.
Como o penhasco que escuro e triste, sem os olhos profundos,
Também chorou a casa fria que não mais acolheu o farol.
Dois olhares pela noite escura, privados do arrebol.
Dois destinos traçados sem as flores, solitários e esquecidos.
Somente o tempo pode levar as dores de teu peito.
Somente outro lírio acalenta a alma que de amores chora.
Mas para nós só existiram dois lírios nessa aurora:
O dela e o meu, sem eles os dois se foram também.
Submited by
Poesia :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 471 reads
Add comment
other contents of Betofelix
Tema | Título | Respuestas | Lecturas | Último envío | Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Dedicada | CARTA ABERTA AOS POETAS | 9 | 520 | 12/14/2009 - 04:52 | Portuguese | |
Poesia/Soneto | NATUREZA | 2 | 448 | 12/09/2009 - 02:58 | Portuguese | |
Poesia/Pasión | ETERNAMENTE AMOR | 7 | 340 | 12/08/2009 - 22:14 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | FIM | 4 | 702 | 12/08/2009 - 17:02 | Portuguese | |
Poesia/Amor | Eu me lembro | 4 | 384 | 12/08/2009 - 09:55 | Portuguese | |
Poesia/General | Frase | 5 | 314 | 12/08/2009 - 04:45 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | SEGREDOS | 3 | 333 | 12/08/2009 - 03:54 | Portuguese | |
Poesia/Soneto | VALSA DOS QUINZE | 1 | 395 | 10/13/2009 - 18:13 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | SEGUNDO ADEUS | 1 | 446 | 10/13/2009 - 13:28 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Vinte de novembro | 2 | 374 | 10/09/2009 - 18:31 | Portuguese | |
Poesia/Soneto | Uma pedra | 2 | 376 | 10/09/2009 - 13:48 | Portuguese | |
Poesia/Amor | A águia e o lírio | 1 | 471 | 10/09/2009 - 11:15 | Portuguese | |
Poesia/Amor | AMOR E POESIA | 2 | 457 | 10/07/2009 - 20:48 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | MORTE | 2 | 385 | 10/07/2009 - 17:02 | Portuguese |
Comentarios
Re: A águia e o lírio
Betofelix!
A águia e o lírio
Somente o tempo pode levar as dores de teu peito.
Somente outro lírio acalenta a alma que de amores chora.
Mas para nós só existiram dois lírios nessa aurora:
O dela e o meu, sem eles os dois se foram também.
Gostei muito do final...
MarneDulinski