Baixa Matinal
Passam velhos estudantes pela baixa, caminham nos passos que as pernas aprenderam tantas vezes, a descer o quebra-costas na direcção do rio lento.
Vendem-se cautelas aos desesperados que chocalham no bolso roto a parca fonte de mais um almoço feito de pão e peguilho, mais caros que a dignidade, pedem-se ajudas às senhoras queimadas de azul e olhos vendados de negro, vestidas também elas todas de negro e que poupam o dinheiro que não comeram em pão para investir em lojas americanas, de cigarro pendente parecem apodrecer enquanto caminham a flutuar em agulhas, também negras.
Vejo velhos estudantes que carregam olhos queimados do fumo e faces descaídas, com a brida das obrigações vagas, com pastas cheias de nada e muitos papeis cheios de muitos outros nadas… que nada interessam a quem faz musica, por pão e peguilho, demasiado caros para quem quer apenas comer…
Passam estudantes sem destino e vendem pastas de todos os tons e cores, de todos os símbolos, vendem-se também eles por mais um dia no encanto de não terem de ser gente, mais uns dias sem o peso de serem homens nem mulheres, nem velhos, nem crianças, apenas infantes de capas da cor da noite para que nela se confundam, noites frias, noites molhadas a tinto martelo e cevada fermentada…
E passam mestres… doutores, nas artes de ter nada e ainda assim viver, nada, nada para comer, nada para vender…
São apenas vultos tricanos que mandam para a cabra quem fala de menos e mandam para o cabrão quem fala demais… já nem pedem, já nem ligam…
Vivem apenas Coimbra nos pés cansados, rua acima e rua abaixo, invisíveis, eternamente nus…
E então alguém, sem um braço, pergunta-me se vou ficar muito tempo com as costas para a parede amarela da capela, pois estou no seu posto e não lhe pareço pedinte…
Vou-me então…
Nunca foi do meu feitio tirar da boca de um homem, seu peguilho… e seu pão…
Submited by
Poesia :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 515 reads
Add comment
other contents of Obscuramente
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Comedia | A pancada que me deu | 8 | 824 | 12/02/2009 - 23:43 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Anátema (Sem Referencia) | 9 | 549 | 11/27/2009 - 02:07 | Portuguese | |
Poesia/Pasión | Contradições | 3 | 770 | 11/14/2009 - 18:03 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Neo Morpho Génesis | 10 | 535 | 11/06/2009 - 20:55 | Portuguese | |
Prosas/Pensamientos | Maléfico pensamento ou… | 1 | 563 | 10/18/2009 - 17:46 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Obliterações mudas | 5 | 521 | 08/17/2009 - 21:21 | Portuguese | |
Prosas/Pensamientos | Desafio ao Soneto | 2 | 736 | 08/14/2009 - 13:50 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | O Diabo anda nas ruas | 3 | 655 | 08/01/2009 - 23:50 | Portuguese | |
Poesia/Amor | Nunca me mintas | 10 | 611 | 08/01/2009 - 22:25 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Questão Anónima | 1 | 438 | 07/04/2009 - 14:31 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Crónicas do fumo | 3 | 561 | 06/24/2009 - 04:04 | Portuguese | |
Poesia/Amor | O Beijo | 8 | 439 | 05/07/2009 - 20:26 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Estou a desaparecer | 5 | 484 | 05/01/2009 - 22:08 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Ruínas | 2 | 556 | 04/29/2009 - 23:37 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Insistida Negação | 2 | 564 | 04/29/2009 - 17:03 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Luz e Lei | 2 | 519 | 04/26/2009 - 00:07 | Portuguese | |
Poesia/Amor | O punhal | 4 | 508 | 04/20/2009 - 20:56 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Rumo ao Norte | 2 | 552 | 04/20/2009 - 20:52 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Flor do Deserto | 5 | 564 | 04/20/2009 - 20:48 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | No inicio… | 3 | 563 | 04/19/2009 - 21:36 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | A lágrima derramada | 7 | 447 | 04/19/2009 - 20:57 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Inspira-me | 3 | 495 | 04/18/2009 - 10:35 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Não há mais força | 3 | 422 | 04/17/2009 - 19:35 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Tenebrae (Ofício de Trevas) | 5 | 720 | 04/17/2009 - 18:10 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Aprendiz de Feiticeiro | 2 | 610 | 04/17/2009 - 14:44 | Portuguese |
Comentarios
Re: Baixa Matinal
Muito obrigado pelos comentários às 3 senhoras :-)
Tentar responder individualmente:
Ana, eu já vivo no mundo dos sobreviventes, por isso sou compassivo e os entendo ao ve-los passar, e nunca os trato por coitados.
Libris, um dia gostava que fossem os teus olhos a contar-me histórias do mar e da terra, sitios onde pouco vou ;-)
Nanda, obrigado por me leres sempre com tanto carinho.
Beijos para todas.
Re: Baixa Matinal
André,
Aplaudo de pé!
Beijo
Nanda
Re: Baixa Matinal
Brilhante!
Contemplei este teu quadro deliciada ante o teu olhar critico mas tb nostálgico!
Ler-te é sempre surpreendente!
Vou levar este comigo para ir visitando Coimbra pelos teus olhos, enquanto não posso lá passear os meus!
Beijinho grande em ti
Inês
Re: Baixa Matinal
Bem vindo ao mundo dos que sobrevivem...
Muito belo, um exelente texto tocado pela visão do eu em uma lírica análise social.
Parabéns, muito bem conseguido!
Grande abraço.