Baixa Matinal

Passam velhos estudantes pela baixa, caminham nos passos que as pernas aprenderam tantas vezes, a descer o quebra-costas na direcção do rio lento.

Vendem-se cautelas aos desesperados que chocalham no bolso roto a parca fonte de mais um almoço feito de pão e peguilho, mais caros que a dignidade, pedem-se ajudas às senhoras queimadas de azul e olhos vendados de negro, vestidas também elas todas de negro e que poupam o dinheiro que não comeram em pão para investir em lojas americanas, de cigarro pendente parecem apodrecer enquanto caminham a flutuar em agulhas, também negras.

Vejo velhos estudantes que carregam olhos queimados do fumo e faces descaídas, com a brida das obrigações vagas, com pastas cheias de nada e muitos papeis cheios de muitos outros nadas… que nada interessam a quem faz musica, por pão e peguilho, demasiado caros para quem quer apenas comer…

Passam estudantes sem destino e vendem pastas de todos os tons e cores, de todos os símbolos, vendem-se também eles por mais um dia no encanto de não terem de ser gente, mais uns dias sem o peso de serem homens nem mulheres, nem velhos, nem crianças, apenas infantes de capas da cor da noite para que nela se confundam, noites frias, noites molhadas a tinto martelo e cevada fermentada…

E passam mestres… doutores, nas artes de ter nada e ainda assim viver, nada, nada para comer, nada para vender…

São apenas vultos tricanos que mandam para a cabra quem fala de menos e mandam para o cabrão quem fala demais… já nem pedem, já nem ligam…

Vivem apenas Coimbra nos pés cansados, rua acima e rua abaixo, invisíveis, eternamente nus…

E então alguém, sem um braço, pergunta-me se vou ficar muito tempo com as costas para a parede amarela da capela, pois estou no seu posto e não lhe pareço pedinte…

Vou-me então…

Nunca foi do meu feitio tirar da boca de um homem, seu peguilho… e seu pão…

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Jueves, Mayo 13, 2010 - 17:51

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Obscuramente

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Re: Baixa Matinal

Muito obrigado pelos comentários às 3 senhoras :-)

Tentar responder individualmente:

Ana, eu já vivo no mundo dos sobreviventes, por isso sou compassivo e os entendo ao ve-los passar, e nunca os trato por coitados.

Libris, um dia gostava que fossem os teus olhos a contar-me histórias do mar e da terra, sitios onde pouco vou ;-)

Nanda, obrigado por me leres sempre com tanto carinho.

Beijos para todas.

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Re: Baixa Matinal

André,
Aplaudo de pé!
Beijo
Nanda

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Re: Baixa Matinal

Brilhante!
Contemplei este teu quadro deliciada ante o teu olhar critico mas tb nostálgico!
Ler-te é sempre surpreendente!
Vou levar este comigo para ir visitando Coimbra pelos teus olhos, enquanto não posso lá passear os meus!
Beijinho grande em ti
Inês

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Re: Baixa Matinal

Bem vindo ao mundo dos que sobrevivem...

Muito belo, um exelente texto tocado pela visão do eu em uma lírica análise social.

Parabéns, muito bem conseguido!

Grande abraço.

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