Partilhar o momento.

Vejo-te sentada a escrever, não sei o que escreves, para quem escreves, ou sobre o que escreves, apenas vejo-te concentrada como que perdida no profundo interesse do que fazes.
Aproximei-me devagar, passo a passo, num ritmo embalado pela curiosidade do que estarias a fazer.
De cabelos soltos jogados para o lado, cabeça baixa e pescoço desnudado, ombros desvendados e braços prostrados na tarefa, era assim que te via daquele ângulo, e assim fui-me aproximando sem querer dar de mim.
Estava perto, e apoderou-se de mim uma afasia simplesmente por inalar o teu doce aroma. Com a fala trancada no desejo, fiquei em silêncio e apoderei-me dos teus ombros com as minhas mãos e encostei o meu queixo à tua cabeça e sorri.
Percorri com as mãos a suavidade dos teus braços como mãos que escorregam em cetim, cheirei o teu cabelo, fechei os olhos e esperei aquele arrepio de prazer.
Senti que sorrias em reconhecimento do meu gesto meigo e apaixonado, senti a tua mão a erguer-se em busca do meu rosto. Que carícia mais leve. Gesto simples de agradecimento, gesto simples de carinho, gesto simples de quem procura, espelhado na grandeza a quem recebe.
Beijei-te a mão e agarrei de maneira gentil o teu pescoço, sem dar aviso não resisti à tentação de te beijar o pescoço.
Que vil desenvoltura essa, que castigo de prazer, que vontade chicoteada no momento, como se perdiam os meus lábios no teu pescoço, como romantismo em elegância, como fogo no aço, ardendo e soldando os meus lábios à tua carne.
Fechei-me nos meus sentidos, onde aliei-me aos teus, entrando num puro estado de ataraxia, nada mais aconteceu naquele momento que não um beijo meu em corpo teu.
Soltavas um gemido de baque surdo, o teu corpo soltava-se nas minhas mãos, empurravas-te para trás contra mim, como quem forçava a junção dos corpos num só.
Deixando cair a caneta foste virando-te para mim, prendeste-me com um beijo que fez cativo um suspiro meu.
Senti os teus lábios a morder os meus ao mesmo tempo que os teus dedos percorriam os meus cabelos. Agarrei-te no queixo com o indicador e o polegar, apenas para parar por breves segundos todos aqueles beijos apaixonados, onde me viria a perder segundos mais tarde. Nessa breve pausa olhei para ti e sorri, mostrando a minha felicidade, o meu deleite, vendo a tua felicidade, o teu prazer.
Foram nesses segundos também, que ganhei noção de onde estavam as folhas e a caneta em cima da mesa. E enquanto beijava-mos, a minha mão descia do teu queixo, pelo teu peito, pela tua cintura, até à mesa.
Com uma mão a segurar-te o pescoço e tecendo nos teus cabelos, aproveitei a mão livre para escrever algo numa folha.
Larguei a caneta logo após o último traço. Agarrei-te na cara com as duas mãos enquanto te dava um derradeiro beijo apaixonado.
Vidrado em ti, pedi-te que olhasses para aquela folha.
Depois de olhares, reparei numa lágrima solta no teu rosto, que ia de encontro com um sorriso cadente na tua boca.
Sorri de volta e limpei a tua lágrima com os meus lábios. Pedi-te então que me lesses o que lá tinha escrito.
“A minha paixão por ti são todos estes momentos onde me perco em tudo aquilo que me és.”
Fechaste o caderno, demos as mãos e fomos até a varanda olhar o sol.

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Sábado, Abril 19, 2008 - 21:09

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Michkin

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Comentarios

Imagen de Henrique

Re: Partilhar o momento.

Texto bem escrito, boa interpretação das coisas!

:-)

Imagen de MariaSousa

Re: Partilhar o momento.

Li este texto com grande prazer. Está de tal maneira pormenorizado que se conseguem ver as imagens.

Gostei muito.

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