Desenhos por me chamar cobarde

A chuva caía incessantemente, desenhando círculos concêntricos na calçada de granito. O petróleo nos lampiões teimava em arder, dando uma luz baça à rua dos sonhos perdidos. A maledicência humana feita gente tombou, nua, no frio da madrugada outonal. Um buraco no céu cor de chumbo abriu-se, e direccionou-a para onde sempre quis estar.
Entre o previsível anoitecer das almas conformadas.
Ao erguer-se, deixou transparecer uma inapta e longa cabeleira ruiva, que assentava irregularmente em ombros magros e fracos. Limpou a poeira da solidão que lhe cobria os olhos, e rodou o pescoço até onde a anatomia o permitiu. Era um espaço deserto o que se preparava para conquistar.
O vento trombetava o hino da vitória, e as luzes trémulas da parca iluminação pública deram-lhe o embalo que precisou para a procura da capitulação.
Ao primeiro passo confiante, seguiu-se um segundo desconfiado. A terceira etapa da rota do sucesso, foi ferida com a machadada da incerteza.
Um corpo desceu de uma escadaria íngreme e derrotada da batalha com o tempo.
Abstraído de vestes, soluçava rezas incompreensíveis que ganhavam estridência, compassadas com o ritmo da chuva que caía, decidida a empalidecer o céu de chumbo.
"Chamo-me vida, e derrotei a minha própria essência nesta rua de sonhos perdidos"
Feminina por aproximação, desapareceu em vãos passos de medo. O caminho ficou aberto, e alguém desenhou o armísticio do rápido impulso bélico que mudou o destino do mundo.
Acho que já me posso apresentar. Escreveram a palavra cobardia no documento que atestou o meu nascimento, e é meu o desenho que apreciam. Estive lá naquela noite de armagedão silencioso, e sobrevivi para contar que o homem não é quem diz ser. Julguem-no antes por aquilo que conseguem ler nas suas costas

Submited by

Viernes, Julio 3, 2009 - 16:34
Sin votos aún

singelo

Imagen de singelo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 6 años 4 semanas
Integró: 04/07/2008
Posts:
Points: 511

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of singelo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Desilusión Faço qualquer coisa por ti.... 0 1.852 10/09/2011 - 21:51 Portuguese
Poesia/Meditación Cidadela.... 0 2.047 06/10/2011 - 16:36 Portuguese
Poesia/Fantasía Mulher descida da cruz 0 1.909 02/03/2011 - 16:39 Portuguese
Poesia/Desilusión Depressão 2 1.762 01/29/2011 - 20:45 Portuguese
Poesia/Meditación Tenho fome da fome 0 1.596 12/19/2010 - 11:34 Portuguese
Poesia/Meditación Poema de querer estabelecer prioridades..... 0 2.487 12/18/2010 - 17:35 Portuguese
Poesia/Desilusión Protesto de vinil 0 1.769 12/17/2010 - 18:05 Portuguese
Fotos/Perfil 1243 0 2.565 11/23/2010 - 23:38 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Fraco desnorte de amor 0 1.953 11/18/2010 - 23:03 Portuguese
Prosas/Mistério Ponto dois mil e dez 0 1.664 11/18/2010 - 22:57 Portuguese
Prosas/Fábula enportugalado 0 1.640 11/18/2010 - 22:48 Portuguese
Prosas/Drama Profissão, deixar correr o tempo 0 1.813 11/18/2010 - 22:48 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Desenhos por me chamar cobarde 0 1.882 11/18/2010 - 22:48 Portuguese
Prosas/Lembranças Aculturado em tons de desânimo 0 1.986 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Pensamientos Cidade que descarnei e depois me cozinhou 0 1.947 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Dadaísmo 0 1.489 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Comédia Monta-me 0 2.457 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Pensamientos O homem que retalhou o seu adeus 0 1.782 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Fábula porque a indecisão são dois dias interrompidos 0 1.711 11/18/2010 - 22:45 Portuguese
Prosas/Tristeza No bar 0 1.841 11/18/2010 - 22:45 Portuguese
Poesia/Desilusión Só sou vulgar 0 2.093 11/17/2010 - 22:40 Portuguese
Poesia/Intervención Manuseamento efectivo da hipocrisia 0 1.834 11/17/2010 - 22:39 Portuguese
Poesia/Intervención Reformados 0 1.775 11/17/2010 - 22:39 Portuguese
Poesia/Fantasía Enfabulador 0 2.482 11/17/2010 - 22:25 Portuguese
Poesia/Aforismo Faceolítico 2 1.794 08/04/2010 - 21:28 Portuguese