CHICO MANZORRA - Gil Bertho Lopes

(Revista AMAE educando - Belo Horizonte Ed. 364 Ano 42 - Junho/2009)

Chico Manzorra era um sujeito acaboclado que passou a infância levando cocorotes dos mais velhos. Menino larápio, apelidado de Manzorra por suas mãos enormes, as mesmas que costumavam surrupiar tudo que estava ao seu alcance. Era um sujeito macilento, mal-ajambrado, com o cabelo em gaforinha, sempre a fazer garatujas nas águas espelhadas do raso poço coaxador, onde, em piparotes, lançava as caracas queesgravatava do nariz, mania que teve que abandonar logo que lhe ensinaram o ofício de ordenhar cabras e vacas. Estas nunca sumiam, para o bem dos donos abastados; mas o leite... para cada balde uma bilha d’água.
E assim, foi fazendo fortuna o larápio infante que sonhava em mudar-se da baiúca onde morava, para “uma casa com lustre e balaústre”, como costumava dizer. Sua fala esganiçada quase sempre vinha acompanhada de perdigotos que obrigavam os ouvintes a se manterem à distância. E como era falastrão, o fedelho!
A posse da tal casa ilustre veio a ocorrer mais tarde, o que lhe rendeu o apelido de “corrimão”, pela quantidade de escadas que a casa possuía, com tanto apoio de mão e também, pela fama de “correr a mão” em tudo o que era do alheio. Cansado dos pejorativos “inconseqüentes”, não comparecia a festas nem reuniões. Passava horas a fio a contar e a recontar o dinheiro que guardava.
Um dia resolveu reunir toda a sua fortuna e escondê-la numa grande cova, longe dos olhares gananciosos dos vizinhos. Para isso levou consigo ferramentas novinhas em folha, deixando as velhas para trás, pois, entendia que para tal intento, precisaria de instrumentos “com bastante precisão”, bem afiados, firmes nos cabos, sem nenhum incômodo que pudesse atravancar seu plano. Ele foi cavando... cavando... por horas a fio, sem se preocupar com o suor que lhe encharcava a camisa, com um odor fétido que empestava o ar. Foi encaramujando-se, até se dar conta de que aquela cova já estava funda demais. Só aí resolveu dar descanso aos braços desacostumados. Pensando numa maneira de sair dali, tentou abrir buracos lado a lado, mas as pernas curtas não
alcançavam. Desesperado, olhava para cima e gritava, mas, apenas se ouvia o eco de seus gritos ansiosos.
Cansado e com a cabeça latejando, de tanto ouvir seus próprios berros, resolveu parar. Sua estada ali foi se prolongando e a noite não tardou a chegar, junto com ela, a fome, a sede e um silêncio
horripilante. Naquela escuridão só se ouvia o cricrilar dos grilos. Corujas, com olhos vívidos, circundavam a cova em vôo rasante. Ao longe, uivos de lobos famintos eram trazidos pelo vento que, soprando forte, fazia um ruído de pôr em pé cabelo de defunto. Chico Manzorra, se estremecendo de pavor, chegava até a ver caveiras perambulando em volta da cova. Fechou os olhos para afugentar o medo. Pedia, em tom baixo, que Deus o ajudasse naquela desdita. Mas nada se rendia aos seus apelos.
E foram passando dias...semanas, meses... e naquele povoado, nunca mais se ouviu falar do Chico. Decifrou-se apenas o porquê de algum tempo atrás urubus famintos sobrevoarem uma enigmática cova.

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Sábado, Agosto 8, 2009 - 18:49

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Re: CHICO MANZORRA - Gil Bertho Lopes

Alem de poeta um otimo contista...

Bjs na alma

:-)

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