Futuro no Presente VI

Despedimo-nos, já tinha alguma fome e não me apetecia cozinhar, decidi então ir a um restaurante chinês que ficava a dois quarteirões de onde eu estava, procurei não pensar sobre o assunto que me consumia, enquanto caminhava ia sentindo a leve brisa do final de tarde, voltei a ter a sensação alguma coisa estava diferente ao meu redor, mas se tudo permanecia igual o que seria? Entrei no restaurante, sentei-me em uma mesa e enquanto esperava lembrei-me de uma frase que ouvira, sorri, tinha descoberto a chave das minhas sensações, afinal como essa frase dizia “tudo permanece igual enquanto nós permanecemos iguais”, eu já não era igual ao que era esta manhã, a minha visão do mundo tinha mudado, tornou-se obvio para mim, lembrava-me de varias vezes que tinha tido essa sensação, normalmente ela estava ligada a um novo estado de consciência.
Fiz a minha refeição calmamente, desfrutava de cada garfada como se nunca tivesse experimentado aquele prato, observava as pessoas que iam entrando no espaço, as que rodeavam-me e os empregados de mesa que serviam, estava distraído com isso quando reparo numa mulher, com cerca de vinte cinco anos que entra no restaurante, ela tentava falar com as pessoas e essas a ignoravam, como se não a vissem, notava-se que estava perturbada, seu olhar cruzou-se com o meu e veio em minha direcção, fiquei um pouco atrapalhado, enquanto ela se aproximava apressadamente uma sensação de calafrio apoderou-se de mim, olhou-me directamente, colocou o dedo nos lábios e fez shiummm, pedindo-me para que eu ficasse em silêncio, sentou-se a minha frente e disse pausadamente.

- Não fales nada, consigo ouvir o que pensas.

Na minha cabeça a primeira coisa que passou foi a ideia de estar a ficar maluco.

- Não, não estas louco a não ser que eu esteja também.

Coloquei o cotovelo direito em cima da mesa, a mão na testa e questionei-me, o que se passa?

- Não sei exactamente, tu sabes?

Como não vi que os meus pensamentos estavam a ser lidos, tentei-me concentrar naquela pessoa.

- Quem és? Perguntei mentalmente.
- Que dia é hoje? Perguntou-me quase em simultâneo.

Lembrei-me da minha conversa com o ser de luz, teria de tomar cuidado com as respostas.

- Quem é esse ser de luz que faz com que hesites em me responder e bloqueies o nosso canal de comunicação?

Fiquei assustado com o que ela falou, ter alguém que lê nossos pensamentos é sem dúvida assustador, olhei-lhe então profundamente nos olhos, tentava ficar com a cabeça vazia de forma que me aparecessem as ideias mais adequadas a pensar.

- Sinto tua energia, estou a entender o porquê de não estares a responder-me.

Senti-me menos apreensivo.

- Isso mesmo, acalma-te, comunicas-te por palavras e imagens mas só entendes as palavras, não precisas colocar em palavras aquilo que não sabes se deves me dizer.
- Ainda estou confuso com essas viagens no espaço/tempo, só falei com uma ser e tu és a segunda pessoa que me aparece.
- Também ando confusa, és a primeira pessoa que consigo falar, ando por um lado e por outro a não sei quanto tempo.
- Essa história de viajar no tempo é confusa, hesitei em falar que dia é hoje pois quando estive a conversar com o ser de luz ele disse-me que nada é gratuito.
- Mas vejo que não tens intenção de pedir-me nada pela informação.
- Claro que não.
- Eu acredito em coisas gratuitas.
- Custam sempre a alguém.
- Claro que custam, mas mesmo que custem podem ser gratuitas, é uma questão de referência, podes dar algo a alguém é gratuito para esse alguém se deres sem desejar receber algo em troca.
- Basta eu desejar algo em troca que já não é gratuito?
- Sim.
- Como tu sabes que tens algo para me dar que me é útil?
- De que falas?
- Pois, só comunicas por palavras, ia-me esquecendo, tu não acreditas em coincidências e achas pouco provável que existam coisas gratuitas, se estas aqui a falar comigo e eu estou aqui a falar contigo é para fazermos uma troca qualquer.
- Tem sentido.
- Segundo a tua visão tens algo que me vai ser útil e eu tenho algo que vai ser útil a ti.
- Como consegues falar de mim com mais clareza que eu próprio?
- E que não tens consciência que a comunicação faz-se a muitos mais níveis que estas habituado a utilizar.
- Como assim?
- Vou falar de algo que já conheces, para tornar as coisas mais simples, tuas expressões faciais e corporais emitem muita informação durante a comunicação, é natural que uma pessoa que tenha consciência disso e esteja habituada a utilizar esse recurso consiga saber muito sobre ti mesmo que fales pouco.
- Compreendo, mas disso a ler a mente vai uma grande distância.
- Mas eu não estou a ler a tua mente.
- Estas sim, eu penso em uma coisa e sabes o que é.
- São pontos de vista Pedro.
- Como sabes o meu nome sem eu ter-te dito?
- Nos estamos a comunicar de maneiras diferentes, no meu ponto de vista eu não estou a falar, estou a deixar fluir a energia, tu por sua vez a absorves, traduzes para uma maneira que entendas e deixas que ela flua para mim, chamei-te pelo teu nome no teu ponto de vista pois é assim que desejas ser tratado por mim.
- Estou a ficar cada vez mais confuso.
- O que tem dentro da caixa de cartolina parda?
- Não sabes tudo que se passa na minha mente?
- Só sei aquilo que desejas revelar-me, sobre essa caixa sei que estas indeciso se me mostras o que há lá dentro, enquanto não decidires não deverei vê-la.
- Não és capaz de ver?
- Sou, mas estaria a agir contra a tua vontade, isso não seria boa ideia.
- Mas poderia ver sem que eu soubesse?
- Sim, mas não me adiantaria de muito.
- Tens curiosidade?
- Não é superior a vontade que tens de me mostrar.
- Como sabes disso?
- Consigo sentir o teu desejo.
- Todos os meus desejos?
- Sim.

Abri-lhe a caixa e mostrei-lhe o meu carrete dourado, por um motivo qualquer quis oferecer-lhe, demonstrei o desejo de lhe dizer como funcionava e ela intuiu instantaneamente, foi então que ela disse-me:

- Estava a necessitar disto.
- Porquê?
- Estou a não sei quanto tempo perdida no tempo e não sabia como voltar.
- Mas pareces saber tantas coisas.
- Tu também.
- Eu? Mas eu não te disse quase nada.
- Não disseste mas eu senti tudo.
- Ainda queres saber a data de hoje?
- Não, agora já sei como voltar para casa, era isso que eu precisava, como posso te agradecer?
- Não me custou nada, tenho infinitos carretes como esse se quiser. Não precisas agradecer.
- Custou sim, claro que custou, precisaste aprender muita coisa para o conseguir conceber.
- Não foi tanta coisa assim.
- Foi, grande parte da tua experiência de vida está neste engenho.

Sorri

Ela levantou-se dirigiu-se até mim e disse:

- Não tinhas certeza se acreditavas em coisas gratuitas, acabei de ter a experiência de receber algo gratuitamente agora, até um dia destes.

Deu-me um beijo
Soltou o carrete e desapareceu.

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Lunes, Abril 26, 2010 - 15:05

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Re: Futuro no Presente VI

AINDA RELATIVAMENTE AO ULTIMO E-MAIL QUE ME ENVIASTE:Boas Veiga! Começo por responder à tua pergunta antes que me esqueça. Um relato mais descritivo, acontece quando o que se descreve tem alguma relevancia no futuro contextual da estória, se não tiver, eu na minha opinião prefiro o menos descritivo possivel, pois dá mais espaço "imaginario" ao leitor.
Quanto à busca da perfeição na escrita. A practica faz a experiencia. Nunca seremos perfeitos, (julgo eu). Porque "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" . A perfeição de hoje, pode ser o muito bom de amanhã. Mas acho que devemos sempre buscar a perfeição em tudo que fazemos. Eu pessoalmente escolhi a poesia, devido ao meu sistema nervoso. Ansiedade. Eu quero a obra logo feita. O agora durante o meu processo criativo , já é tarde. Daí escrever pouca prosa. Porque demora a "chegar" completa. A minha busca da perfeição chega a ser doente. Um exemplo: A minha ex mulher, conheci-a num chat ( foi a unica que conheci assim), acreditas que se ela tivesse escrito um erro ortografico, teria caído imenso na minha consideração, ao ponto de se calhar perder o interesse de marcar um (blind date ) com ela!?( e eu também dou muitos erros ortograficos). Eu sei que isto é demais. Nem elitista me posso considerar porque nem o 12º acabei. Mas dou uma importancia à perfeição da escrita, que chega a ser patologica. Um genocida, um filho da puta, um cabrão etc... para mim , já ganha uns pontinhos se souber escrever. Ès livre de fazer o juízo que quiseres de mim depois de leres isto.Escrever erros ortograficos para mim é como ter a boca estragada, por opção, não porque não se tenha dinheiro para pagar um dentista mas porque não se lhe dá importancia. E eu sei que não devia pensar assim. Que estou extremamente errado. Mas dou demasiada importancia a este pequeno facto. Para mim é tão importante como a educação, como o saber estar. Sou um idiota.Eu sei. Ando a tentar mudar. Um abraço Veiga! Ainda não li o teu ultimo texto.Requer atenção. Hoje estou um bocado distraido para tal.

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Re: Futuro no Presente VI

Boas Veiga!
Os teus personagens, cada vez mais me estão a parecer
gente normalissima. E tal não é de forma nenhuma depreciativo. Pelo contrario.
Uma vez mais, continuo a gostar.
Por coincidencia ou não, por acaso não és o Gonçalo Veiga irmão da Ana Veiga de S. João do Estoril!?

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