N2

Faro/Cantábrico


Bamboleando-se por Alentejos Sadinos e bordejando águas salobras depressa o comboio ganhou nas muitas curvas as planícies verdes e solestícias com destino a Faro ,chegou às previstas 17:30
Foi hora de montar a bicicleta em sentido literal porque a transportou desmontada como mandam as regras e também fisicamente pois foi subindo sempre e com dificuldade em direcção A barranco do Velho onde chegou de noite, tinha de descansar e nada melhor que um alpendre abrigado da chuva miúda e impertinente que caía e caía sem dó, não havia a prevista e habitual escola “antigo regime” (normalmente refugiava-se em escolas) mas um centro social serviu o propósito que era simplesmente dormir.
Pelas seis Horas da madrugada inicia-se o percurso incerto que o levaria até ao outro mar bem mais a norte ,o Cantábrico, lado oposto da Península e a cerca de mil quilómetros de distancia , em outras duas ou três etapas.
O sol descobria uma esguia silhueta de ciclista que se projectava agora para a esquerda e abrangia toda uma serra silvestre e verde embora colorida assim por curto espaço de tempo, o Caldeirão era incandescente e habitualmente seco como um deserto e vermelho como o fogo que insistia em atacar com labaredas e persistia assim anos e anos a fio esta desertificação, os cheiros agora eram de estevas e humidade fresca, até perto do meio dia e aí já sem as referidas e frescas sombras.
As cegonhas perderam o nomadismo e nestas terras malditas e ditas sem sombra não trouxeram mais almas nem devolveram as emigradas nem as ninhadas destas trouxeram filhos, ficaram os velhos e doentes mirando horizontes planos sem vivalma.
Era dia dos cravos (2010) mas as revoluções esqueceram-nos , ficaram-se por comemorações vazias de significado ,por todas as localidades onde ainda havia gente e trabalho as autarquias empenhavam-se em manter a chama tardia.
A distancia até aos cem quilómetros pareceu curta, as pernas respondiam á frenética vontade de pedalar, parecia que o destino estava ganho, faltava metade e o acumular de esforço iria tornar-se dilacerante para os músculos ainda recentemente repousados por um inverno assaz longo .
A estrada nacional 2 em mau estado no distrito de Setúbal baixaria a media que teimava manter-se teimosamente nos 22 km hora, depois ainda ficava no caminho uma pequena serra já no fim do percurso, Monfurado estava posta ali mesmo antes do final desta etapa em Montemor-o-novo e parecia um interminável obstáculo.
Chegando ao termino e esticar-se na relva do pequeno jardim à entrada de Montemor avalia o que já fizera em termos Peninsulares, desde a tentativa de atravessar os Pirenéus do Atlântico ao Mediterrâneo no mais curto espaço de tempo ou seja 14 dias (faltavam-lhe 10 dias), O caminho de Santiago Francês em sete dias (faltavam três dias para finalizar), planeia a continuação até Chaves e ao Cantábrico mas não sem duvidar um pouco da sua boa sanidade mental que o levava e ele e ao corpo até ao limite, sem razão ou recompensa aparente que não fosse aquele sentimento de “dever”cumprido,mas qual dever? deveria isso a ele próprio ?(por egoísmo) ou sentia-se na obrigação de superar todos os outros “eus”que o afligiam e diziam ser impossível,contrariava toda a família e até os músculos, a solidão , o medo que sentia e tentava enfrentar, restava-lhe saber -em prol de quê ? E porquê!? Talvez nunca obtivesse resposta a esta pergunta,
Entretanto estava de regresso a casa, á família, ao conforto e ao trabalho, rendido momentaneamente, mas não vencido, as serras, os caminhos, os trilhos e as paisagens, as falésias de cortar o fôlego ainda esperariam e seriam suas e ele faria parte delas e ele sonharia de novo e sempre o sonho de ser parte da natureza e partilhar o mesmo ar que esta respira
O destino dele era ser Transhumante

Jorge Santos / Transhumante
Abril 2010

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Montemor/Góis (pela estrada nacional nº 2) 2ª etapa até Chaves

Desta vez, (28 Agosto 2010) já é no meio de acastanhados cachos de uvas e secos pastos que um velho autocarro transporta a bicicleta, desmontada como é regra, como se no porão vazio do grande veículo não coubessem pelo menos 100 bicicletas,
Apeiam-no em Montemor-o-Novo,e a mesma frase dúbia do condutor deste transporte público tal como no Comboio que o levará nos próximos dias (11 Setembro) para Burgos “queremos a bicicleta devidamente acondicionada “, sabe lá ele o significado disso.
O autocarro tem partida no terminal rodoviário de Setúbal às 14:30, um sábado e em boa hora pois termina o trabalho pelas 13 horas, (todas as aventuras próximas têm inicio no mesmo horário), tinha de trabalhar e conciliar os tempos livres sem perder demasiado tempo em fins-de-semana tão curtos, apenas o tempo de comer a enorme e saborosa bifana acompanhada com muita cerveja no café “pic-nic” de Montemor, um ponto de paragem que não esquece ,cada vez que se desloca nesta direcção.
São Geraldo,Ciborro ,Brotas ,Mora e Ponte-de-Sor terão de ser alcançadas antes do põr-do-sol nesta etapa, a Serra da Lousã, depois de Vila-De-Rei será a parte mais dura e enrugada do trajecto pela estrada nacional 2 e ele não pode chegar muito tarde ao fim do percurso.
Esperam-no, em Góis alguns providenciais amigos de longa data que o transportarão de volta a casa, um conforto que não subsistirá mais para norte, onde apenas terá que contar com ele próprio para regressar a casa, de qualquer forma não tem por costume depender de ninguém e espera não se dar mal com esta confortável boleia de regresso.
16:30, tempo de partir.
Quase que se pôde considerar monótona a estrada de planície que separava Montemor de Ponte-de-Sôr,(km 444) só em Abrantes e depois de Atravessar o Tejo aumenta a dificuldade mas também o desafio das longas e frequentes subidas quando a estrada perde o nome ilustre de N2 para as novas I.P’s.
Rasgam-se paisagens depois de se levantar cedo, a pernoita fez-se nos Bombeiros de Ponte-de-Sor mas o pequeno almoço muitos quilómetros de estrada em sobe e desce constante ,na Sertã às 11:30 hora
Procura pelo marco 333 próximo de Pedrógão mas não o encontra, não tem muitos objectivos para fotografar e inúmeros marcos desta estrada encontram-se desaparecidos ou em mau estado, havia que dar testemunho deles antes que desaparecessem de vez.
O conta Quilómetros da bicicleta já passa dos duzentos e quarenta quando a vontade do transhumante (aquecida pelos 36 graus às 16 horas de uma tarde ardente) se derrete e transforma o que até aí tinha sido um prazer apenas numa aposta em alcançar Gois, pouco depois de Passar Alváres e o marco do Km 300 (faltavam 300 km para Chaves)
O telemóvel toca, são os amigos que o despertam para o cansaço e desiste de pedalar antes de chegar ao ponto mais pitoresco do percurso, no alto da “Portela do vento”.
De uma saborosa média de 25.50 km/hora tinha descido rapidamente para a média sofrida e habitual de 22.22 km/hora, estava pronto a desistir para continuar noutro fim-de-semana, não tinha que provar nada a si próprio nem a ninguém e sentia que tinha cumprido o que se propusera, quase alcançara Góis, na próxima etapa terá de viajar de autocarro até Coimbra, tentar encontrar esta Aldeia perdida na Serra da Lousã (Alváres) e reiniciar daí a viagem, talvez já até ao final, se este for Chaves, ou até ao Cantábrico, um pouco mais longe, tem em boa memoria as Termas de Ourense e espera revisitá-las outra vez para recuperar os músculos doridos.
Além disso, na semana próxima, em 11 de Setembro (2010) será nessa mesma rota que tentará cumprir os últimos 600 km de transhumancia nos Caminhos de Santiago até ao Cabo Finisterra….
(continuará…)

Jorge Santos

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Martes, Diciembre 21, 2010 - 22:08

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