Um dia no campo
Lá, sobre os alegres montes,
Está o Sol alegremente a nascer
E já há movimento nas pontes,
Já o gado bebe água das fontes
E o canto do galo não deixa adormecer.
Lá vão elas, pachorrentamente.
As mulheres das fábricas vão trabalhar.
Cada uma com a sua beleza singular, diferente;
Todas a rirem-se, vão tristemente,
Por todas as ruas e caminhos vêm a andar,
Umas a pé, outras de bicicleta,
Umas acordadas, outras sonolentas,
Mas todas entre elas discretas,
Guardando para si as vidas secretas,
Mas à má fana estão atentas.
Lá estão elas nas fabricas a entrar,
Todo o dia com monótonos movimentos.
E as pequenas pausas irão passar
Com a matéria-prima sempre a rodas
Por entre os gastos rolamentos.
Cá fora, olhando pelas janelas,
Nos campos sempre verdes,
Estão as camponesas, outrora belas,
Usando as suas escuras flanelas,
Para lá das sujas paredes.
E as horas passam devagar,
Sempre com os mesmos movimentos.
Não se pode parar de trabalhar
Quer na fabrica, quer nos campos a arar,
Sempre a trabalhar a todos os momentos.
Já alto vai o astro dourado,
Quando muitos despertam para a vida,
Com o olhar tão ensonado
E o seu corpo sempre cansado,
Com marcas de dor sentida.
Como são belas as verdes paisagens
Observadas com tanto amor e paixão,
Nas suas diárias romagens,
Por entre montes, vales e margens,
De casa para a sua diária prisão.
Começo a subir os montes
Para deslumbrar uma beleza
Tão natural, nascida entre as fontes
Estendida para lá de rios e pontes,
Tudo fruto de uma imortal natureza.
Ao fundo um sino canta
Uma doce e suave melodia,
Falando de uma terra santa
E de um menino chorando por uma manta.,
Cantando sempre a mesma, dia a dia.
As ultimas habitações já passaram,
Deixando para trás seus habitantes.
As aves dos céus nos ninhos já pousaram
E as árvores, seus gemidos pararam.
No sopé vêem-se as terras e suas gentes.
As casas são tão pequenas;
Os carros parecem formigas,
Mas as cores dos campos são serenas,
E as temperaturas do ar são amenas,
Que parece saído de suaves cantigas.
São milhas e milhas de arvoredo,
Um rio com seu curso sinuoso.
Além sobre o eterno penedo,
Deus lançou o seu segredo
Na criação de algo maravilhoso.
E nos campos, entre as pereiras,
Estão os incasáveis trabalhadores
Plantando vinhas e macieiras,
Descansando à sombra de figueiras,
Esperando o fim de suas dores.
O tempo passa tão depressa,
Já está na hora de regressar.
Deixo os montes com pressa,
Desejando que jamais alguém peça
Autorização para com tal beleza acabar.
Nos caminhos, antes desertos,
Agora cheios de gente a passar.
Para suas casa com passos certos,
Com olhos e ouvidos bem abertos,
Para ver e ouvir quem a elas falar.
No sino bate o Meio-dia,
Nas casas batem os talheres
E todos comem com alegria.
É sempre a mesma monotonia
Sempre a trabalhar e a comer com familiares.
Mais uma vez o tempo depressa passou,
E já outro turno vai trabalhar,
Sem reparar na ave que voou,
Ou nas pessoas que deixou.
Só no emprego pode reparar.
Os campos voltam a ser percorridos
Por gentes atarefadas,
Que deixaram para trás os sentidos,
Junto aos seus entes queridos,
Para alcançar as terras tratadas.
Mas muita é a juventude desperdiçada,
Nestes caminhos à procura de prazer,
Que pensam encontrar numa estrada,
Num rio, num monte, numa paliçada…
Mas trabalho é algo que não sabem fazer.
Lá vão eles, em grupos ou sozinhos,
Para uma discoteca ou um rio,
Percorrendo sempre os caminhos,
Rodeados sempre de verdes pinhos.
Lá vão eles curando o seu cio.
Nos quintais nascem doces rosas,
Que admiro quando estou a passar,
E penso em raparigas formosas,
Que têm as cores destas flores famosas,
E que eu em tempos gostei de amar.
No meio destas nascem outras flores,
Sempre tão formosas e tão belas,
Que lembram sempre antigos amores,
Perdidos no meio de alegrias e dores,
Mas sempre com a protecção das estrelas.
E sempre por estes caminhos andando,
Chegamos ao rio de aguas calmas,
Onde todos nós, nadando,
Falando, ouvindo e sonhando,
Encontramos paz para as nossas almas.
Vemos as sombras nele reflectidas,
Sonhamos com um maravilhoso mundo,
Vazio de almas sofredoras e perdidas;
Belo desde os céus sobre nossas vidas,
Até ao abismo mais profundo.
Com um grande ruído acordamos.
Um comboio passa ligeiro,
Quebrando, das árvores, os ramos.
E, como num sonho dentro dele entramos,
Como se déssemos o passeio derradeiro.
É uma terna sucessão de estações
Sempre a passar, tão rapidamente.
É uma sucessão de caminhos, corações,
Pessoas, sentimentos, perdões,
Que procuramos compreender vãmente.
E, sem nunca o comboio parar,
Nós vamos para longe do rio.
As casa sempre a passar,
E as pessoas sempre a trabalhar.
Sempre, sempre o mesmo delírio.
Estava errado o nosso temor,
Não era o derradeiro passeio.
Parando com ternura e amor,
Acabando no declínio do calor,
Deixando alegria no nosso seio.
Voltamos pelo meio de pinheiros
Ao longo da longa linha,
Até chegar debaixo de pessegueiros,
Em caminhos que fomos os primeiros,
Para alcançar a nossa acolhedora vinha.
Voltamos a andar por entre as moradias.
Onde ladravam alegremente os cães
E as pessoas regressavam às suas alegrias,
Depois do seu trabalho de todos os dias.
Voltam como os pais voltam para as mães.
Já a prima esfera nasceu,
Lá no alto, sobre nós,
Já escuro ficou o céu,
Já toda a família comeu
O pão ainda moído nas mós.
São calmas as noites no Minho,
Apenas observando as estrelas
A iluminar o nosso caminho,
Que, daqui a uns meses, será via de vinho.
São calmas as noites, mas também belas.
Mas de repente aparecem os jovens
A caminho do seu templo, a discoteca.
Em alegria das suas nocturnas viagens,
Alheios às alheias e sábias mensagens,
Apenas como destino a sua Meca.
Esta juventude, sempre alheia à guerra,
Aos tumultos das velhas almas,
Sem amor pela sua terra,
Já sem alegrias para a sua serra,
Apenas querendo suas vidas calmas.
Mas a guia Estrela Polar,
Por bons caminhos os levará,
Pois quem ouvir o que ela falar,
Quem a alegrar quando ela chorar,
Quem fizer isso, só ganhará.
Os verdes e alegres campos, escuros estão.
Apenas iluminados pela lua,
Os verdes campos de encanto e paixão.
Tão tristes e sombrios agora são.
Perderam uma alegria tão sua.
Aqui e além ouve-se murmurar,
Debaixo de uma árvore ou escada,
São futuros casais a namorar.
De uma nova vida a falar,
Indiferentes a quem passa na estrada.
No campo o dia acaba cedo,
Sem bailes nem festas,
E após admirar o arvoredo,
Os alegres campos e o rio ledo,
Deitam-se nas suas eternas cestas.
E assim as noites passam,
Seguidas de dias sempre iguais,
Onde as pessoas trabalham,
Onde os jovens divertem-se e nadam,
E todos aspiram sempre por mais.
Mais uma noite passou
E o Sol lentamente se ergue.
Já outra vez o galo cantou;
Já o eterno trabalhador se levantou
Para viver o igual dia que se segue.
Um dia igual ao anterior,
Sem a mínima alteração.
Mais um dia onde o trabalho é superior
E o divertimento é e será inferior,
Apesar do desenvolvimento da civilização.
Sempre os mesmos dias a ver,
Apenas variando ao fim de semana,
Quando alegrias se pode ter,
E na igreja santo se pode ser,
E no mundo pescador sem cana.
02.08.1991
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