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PROGRAMA DO XIX GOVERNO CONSTITUCIONAL II
O DESAFIO DA MUDANÇA
Portugal atravessa hoje uma crise gravíssima que nos coloca, enquanto comunidade,
numa das encruzilhadas mais determinantes da nossa história recente. É fundamental
que este momento seja interpretado como uma oportunidade de corrigir erros
passados, sem sucumbir à tentação do pessimismo ou da inevitabilidade histórica. Este
Programa reconhece que o País vive hoje, em praticamente todos os domínios, uma
situação de excepção, a que é preciso acudir com carácter prioritário, com particular
destaque para a área social e para o plano financeiro.
A grave situação económica e financeira do País impôs um pedido formal de ajuda
externa à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário
Internacional. O Memorando de Entendimento acordado entre o Governo português e
estas instituições internacionais estabelece um conjunto de medidas exigentes do
ponto de vista social e político. O Estado português terá de cumprir de modo
escrupuloso os compromissos assumidos internacionalmente, condição necessária
para recuperar o crédito externo e regressar ao crescimento e ao emprego. Dada a
natureza estruturante de algumas medidas, uma boa execução do Programa
representará também a realização de reformas estruturais há muito prometidas aos
Portugueses mas sempre adiadas.
Pelo que foi referido, e conhecendo-se a complexidade técnica das disposições, o
carácter transversal de parte delas, assim como o exigente calendário de execução, o
Governo decidiu criar uma Unidade de Missão para o Acompanhamento do Programa
de Ajustamento Económico e Financeiro acordado com a CE/FMI/BCE. A Unidade de
Missão estará na dependência directa do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro
Ministro, sendo extinta no final do período de vigência do Programa de Ajustamento.
Entre outros objectivos, a Unidade de Missão tem a responsabilidade de coordenar,
em estreita associação e cooperação com o Ministério das Finanças, e centralizar a
comunicação e a partilha de informação com as instituições internacionais envolvidas,
monitorizar o cumprimento das medidas e trabalhar com as equipas que em cada
ministério são responsáveis pela sua execução.
O pedido de ajuda externa, e os termos em que foi concedido pelas instituições
internacionais referidas, constitui o ponto de partida fundamental para a reformulação
das nossas finanças públicas. Assim, o Governo garante o cumprimento atento e
rigoroso do Memorando de Entendimento. O objectivo do Governo é readquirir a
confiança entretanto perdida dos investidores internacionais. Restabelecida essa
confiança, o Governo procurará, num prazo tão curto quanto possível, garantir o
regresso do Estado português aos mercados financeiros numa base sólida e relançar o
crescimento económico no nosso País. O Governo entende que a austeridade na
despesa do Estado, sujeita a modelos de eficiência, virá a constituir, a prazo, uma
alavanca para a melhoria da produtividade, para o incremento do potencial de
crescimento e para a criação de emprego.
Num momento em que todos os sectores da sociedade portuguesa enfrentam novas
dificuldades e demonstram a sua capacidade de se adaptar a novas circunstâncias, o
nosso sistema político não pode ser uma excepção. O reforço da democracia, da
prosperidade e da coesão social exige instituições que propiciem e estimulem a
participação, a iniciativa e o empreendedorismo dos cidadãos, e ofereçam ainda um
enquadramento bem definido, transparente e seguro para as relações sociais e
empresariais.
Os resultados do modelo de governação existente estão hoje bem à vista: o Estado
tem vivido claramente acima das suas possibilidades; registou-se um aumento
contínuo do seu peso e dimensão; perdeu-se competitividade e agravou-se
exponencialmente o endividamento externo, que atingiu níveis insustentáveis; a nossa
imagem internacional degradou-se; os mercados perderam a confiança em Portugal;
as pessoas vivem pior e está em risco não apenas a qualidade de vida das actuais
gerações, mas também o futuro das novas gerações e o daquelas que estão por nascer.
Sem um sistema político eficiente não será possível resolver os graves problemas
económicos e financeiros que enfrentamos. Mais, sabemos que as lacunas de
organização do sistema político tiveram um papel importante na origem destes
problemas. O Governo propõe-se melhorar o quadro institucional da vida portuguesa,
o que pressupõe um poder político transparente, sujeito a escrutínio efectivo e
suscitador de mais e maior confiança. Para o alcançar, o Governo estabelecerá regras
claras e iguais para todos, de modo a que as iniciativas e projectos individuais e
colectivos possam ser levados a cabo em igualdade de circunstâncias.
O Governo tomará iniciativas para que o País tenha um sistema eficaz de combate à
corrupção, à informalidade e a posições dominantes, e que seja dotado de um sistema
de regulação mais coerente e independente. Aperfeiçoará o funcionamento das
instituições e trabalhará para alcançar um sistema de justiça mais célere, mais capaz
de garantir direitos e contratos e de reparar a sua violação.
O Governo acredita que é possível fazer uma utilização mais eficiente dos recursos,
pressuposto absolutamente necessário para preservar e viabilizar a maior parte dos
serviços públicos e o exercício das legítimas funções do Estado.
Em suma, o Governo compromete-se a desenvolver instituições que propiciem uma
vida política, social e económica mais próspera, mais justa e mais livre. Os eixos de
acção previstos ao nível do sistema político, das práticas de governação e da regulação
são os seguintes:
Racionalização das estruturas do Governo
Sendo necessário reduzir custos do Estado e procurar novos modelos mais eficientes
de funcionamento, o Governo deve dar o exemplo ao País e reduzir a sua estrutura
organizativa e de custos, promovendo simultaneamente uma maior eficiência
operacional e uma maior eficácia governativa.
O Governo definirá um sistema de acompanhamento e monitorização das acções de
transformação do Estado, suportado por sistemas de informação encarregues da
coordenação estratégica, da coordenação operacional, da monitorização da
implementação e do reporte automatizado. O Governo compromete-se também a
“despartidarizar” o aparelho do Estado e a promover o mérito no acesso aos cargos.
Neste âmbito, o Governo preparará nova legislação que estabeleça um sistema
independente de recrutamento e selecção.
Urge reduzir substancialmente o “Estado Paralelo” (institutos, fundações, entidades
públicas empresariais, empresas públicas ou mistas ao nível da Administração Regional
e Local), bem como despolitizar os processos de recrutamento dos cargos dirigentes
mais importantes, atendendo às melhores práticas internacionais na matéria. Nos
primeiros 90 dias de governo, com base num levantamento da dimensão deste “Estado
Paralelo” (que como foi mencionado também floresceu no Sector Empresarial do
Estado (SEE) central, regional e municipal) serão definidas as opções de extinção, de
privatização ou de reintegração na Administração Pública tradicional das entidades
que o constituem.
Deste esforço de racionalização das estruturas do Governo é exemplo a medida de não
proceder à nomeação de novos Governadores Civis após a exoneração dos que
estavam em funções e de levar a cabo o processo de reafectação das suas funções e
competências.
Toda a lógica de racionalização e de contenção aplica-se, nos termos adequados, ao
SEE. Assim, procuraremos racionalizar a gestão das empresas públicas, generalizando a
celebração de contratos de gestão e acabando com os “privilégios” injustificados,
cláusulas indemnizatórias excepcionais e limitando nomeadamente as remunerações
dos gestores, em especial nas áreas que não concorram com o sector privado e, em
qualquer caso, vinculando-as ao cumprimento de objectivos concretos de gestão.
Controlo e Gestão
O Programa para a Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) teve
efeitos muito reduzidos, não tendo alcançado os seus objectivos fundamentais no
sentido de conseguir um efectivo emagrecimento da estrutura e dos custos fixos do
Estado. Pelo contrário, os organismos públicos continuaram a proliferar. Também não
se concretizou o propósito do PRACE de aumentar os níveis de eficiência e a qualidade
de serviço.
Neste contexto, o Governo assume a necessidade de rever o PRACE para que se
realizem os seguintes objectivos:
- Racionalizar as despesas de funcionamento das Administrações Públicas, de
forma a demonstrar junto dos Portugueses que os sacrifícios não abrangem apenas
os cidadãos;
- Aumentar a eficiência da Administração Pública e reduzir os custos à medida das
capacidades reais do País;
- Modernizar a Administração Pública, de forma a acompanhar as novas exigências
dos cidadãos na sociedade da informação e das empresas na economia do
conhecimento;
- Dignificar, valorizar, apoiar e envolver os funcionários públicos e outros agentes
do Estado que, com o seu espírito de missão e competência, são os responsáveis
últimos pela concretização das políticas públicas e pelo desempenho da
Administração Pública.
À luz da experiência recente em Portugal e noutros países, e com o propósito de tornar
a Administração Pública mais eficiente e sustentável, o Governo actuará de forma
determinante nas seguintes áreas:
- Melhoria de processos e simplificação de estruturas organizativas;
- Melhoria das actividades de suporte;
- Controlo e redução de custos;
- Reforço dos instrumentos de gestão.
Nestas quatro áreas, e de um modo geral no processo de transformação da
Administração Pública, o Governo adoptará os seguintes princípios de actuação:
- Abordar esta transformação com uma perspectiva de médio prazo, como um
processo sustentável com impactos perenes;
- Adoptar uma abordagem pragmática de intervenção baseada na transformação
de processos operacionais dentro de uma cadeia de valor concentrada no serviço
ao cidadão;
- Trabalhar segundo uma lógica de projecto, com objectivos claros, calendarizados
e recursos controlados;
- Aproveitar as estruturas orgânicas existentes, com vista a obter resultados
imediatos e evitar reestruturações orgânicas que acabam por causar atrasos na
capacidade de obtenção de resultados;
- Evitar a descontinuidade das políticas, das estruturas e dos projectos em curso
que estejam a cumprir os seus objectivos. Avaliar quais as alterações de
enquadramento legal e processual que deverão ser realizadas de forma a permitir
uma efectiva, atempada e consequente implementação das decisões de carácter
estratégico e operacional que venham a ser tomadas.
No âmbito da melhoria dos processos e simplificação das estruturas organizativas,
destacamos as seguintes iniciativas:
- Extinguir, fundir ou reduzir estruturas (fundações, institutos, observatórios, etc.)
consideradas dispensáveis ou de dimensão excessiva, permitindo um primeiro
ganho de eficiência;
- Realizar uma abordagem de base zero, isto é, questionar tarefas e funções, com a
finalidade de identificar outras estruturas que sejam passíveis de eliminação ou
redimensionamento e os processos que devam ser alvo de uma reengenharia
significativa.
No âmbito da melhoria das actividades de suporte, destacamos as seguintes iniciativas:
- Optimização das compras públicas. A actividade da Agência Nacional de Compras
Públicas, bem como das Unidades Ministeriais de Compras, deve ser reforçada no
sentido de atingir poupanças significativas;
- Contratação pública electrónica. Desmaterialização progressiva de todo o ciclo da
contratação pública, para melhorar níveis de eficiência e de eficácia e aproveitar
todo o potencial de poupança possível através da contratação pública electrónica;
- Serviços Partilhados. A eficiência, a redução de custos e a qualidade de serviço
podem ser melhoradas através da gestão partilhada de actividades de suporte,
sobretudo ao nível das áreas de contabilidade e finanças, gestão de recursos
humanos, de infra-estruturas, de sistemas de informação, de serviços de segurança
e de património.
No âmbito da redução de custos, o Governo tomará as seguintes iniciativas:
- Optimização progressiva dos meios humanos afectos à Administração Pública,
através da gestão de entradas e saídas, incentivando a mobilidade dos
trabalhadores entre os vários organismos, e entre estas e o sector privado, criando
um programa de rescisões por mútuo acordo e seguindo uma política de
recrutamento altamente restritiva, avaliada globalmente, em articulação com os
movimentos normais de passagem à reforma dos servidores do Estado;
- O Plano de Recursos Humanos deverá cumprir os termos e prazos inscritos no
Memorando de Entendimento, sendo posteriormente objecto de reavaliação para
efeitos de estabelecimento de novas regras de recrutamento.
- Limitação no recurso ao outsourcing mediante justificação objectiva da sua
necessidade através da demonstração satisfatória de que os recursos próprios da
administração não conseguem cumprir a tarefa;
- Continuação dos programas de racionalização do património do Estado;
- Remodelação dos edifícios existentes em termos de organizações de espaço mais
funcionais, em vez de adquirir novos edifícios, utilizando os edifícios devolutos;
- Redução do parque de viaturas e revisão das categorias automóveis das
administrações públicas de uma forma considerável e maximização do uso comum
de viaturas;
- Redução do número de cargos de direcção e administração e de dirigentes
intermédios, respeitando constrangimentos legais;
- Revisão dos mecanismos de prevenção e controlo que impeçam deslizamentos de
custos e prazos inaceitáveis, na concepção, contratação e execução das obras
públicas, acima de um determinado montante;
- Redução dos ajustes directos através da eliminação de isenções que permitam a
adjudicação directa de contratos públicos acima dos limites gerais;
- Preparar o alargamento da fiscalização do Tribunal de Contas a todos os
organismos que recebam apoios do Orçamento do Estado;
- Estudo sobre a evolução do Tribunal de Contas em linha com a sua maior ênfase
actual na auditoria, em contraste com a função de tribunal;
No âmbito do aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão, o Governo tomará as
seguintes iniciativas:
- Introdução de sistemas de informação de gestão;
- Generalização da utilização de Acordos de Nível de Serviço (ANS), entre serviços
públicos e entre estes e os fornecedores;
- Reforço do princípio da orçamentação por programas;
- Estabelecimento de limites para certas rubricas de despesa como garantia
adicional do controlo efectivo da despesa pública;
- Reforço do planeamento plurianual das actividades. Promoção de uma cultura
orientada para os resultados e para a responsabilização.
Todas estas orientações e medidas foram gizadas para, e serão aplicadas a, todas
as esferas da Administração Pública, incluindo a Administração indirecta e o SEE
municipal, regional e central.
Regulação
A regulação tem por objectivo corrigir ou suprir as deficiências ou imperfeições do
mercado através da acção de autoridades administrativas dotadas de grande
autonomia face ao Governo e por isso designadas como Autoridades Administrativas
Independentes. O sistema regulador no nosso país tem lacunas e fragilidades que
importa colmatar. Precisamos de reforçar a regulação, tanto na sua independência
como na sua efectividade.
Assim, o Governo propõe-se a:
- Apresentar uma proposta de Estatuto Jurídico das Autoridades Administrativas
Independentes, integrando a sua criação na reserva de Lei Parlamentar;
- Transformar as entidades com funções reguladoras dependentes do Governo, e
cujos mercados regulados pela sua importância o justifiquem, em Autoridades
Administrativas Independentes, reintegrando as restantes na administração
tradicional (de modo a evitar o risco de proliferação e banalização de falsos
reguladores);
- Reforçar a autonomia e a responsabilidade das Autoridades Administrativas
Independentes. A forma de designação dos titulares dos órgãos de direcção ou
administração será alterada. Em função da natureza de cada entidade este
processo de designação deverá envolver o Governo, a Assembleia da República e o
Presidente da República, tendo a preocupação de garantir consensos alargados
quanto aos seus méritos. A sua designação deve ter o cuidado de prevenir
comportamentos corporativos, mediante a aprovação de regras claras de
impedimentos e incompatibilidades;
- A alteração da arquitectura institucional e legislativa destas entidades deverá
conduzir a um novo quadro de entidades reguladoras.
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