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Arte Poética - Capítulo XV

Dos caracteres: devem ser bons, conformes, semelhantes, coerentes consigo mesmos

No que diz respeito aos caracteres, quatro são os pontos que devemos visar.

2. O primeiro é que devem ser de boa qualidade.

3. Esta bondade é possível em qualquer tipo de pessoas. Mesmo a mulher, do mesmo modo que o escravo, pode possuir boas qualidades, embora a mulher seja um ente relativamente inferior e o escravo um ser totalmente vil.

4. O segundo é a conformidade; sem dúvida existem caracteres viris, entretanto a coragem desta espécie de caracteres não convém à natureza feminina.

5. O terceiro ponto é a semelhança, inteiramente distinta da bondade e da conformidade, tais como foram explicadas.

6. O quarto ponto consiste na coerência consigo mesmo, mas se a personagem que se pretende imitar é por si incoerente, convém que permaneça incoerente coerentemente.

7. Um exemplo de caráter inutilmente mau é o de Menelau em Orestes; de um caráter sem conveniência nem conformidade é o de Ulisses lamentando-se na Cila; ou de Melanipo<1> discursando;

8. exemplo de caráter inconstante é Ifigênia, em Áulis, pois em atitude de suplicante não se assemelha ao que mais tarde revelará ser.

9. Tanto na representação dos caracteres como no entrosamento dos fatos, é necessário sempre ater-se à necessidade e à verossimilhança, de modo que a personagem, em suas palavras e ações, esteja em conformidade com o necessário e verossímil, e que ocorra o mesmo na sucessão dos acontecimentos.

10. Portanto é manifesto que o desenlace das fábulas deve sair da própria fábula, e não como na Medéia,<2> provir de um artifício cênico (deus ex machina) ou como na Ilíada, a propósito do desembarque das tropas.

11. Este processo deve ser utilizado só em acontecimentos alheios ao drama, produzidos anteriormente, e que ninguém poderia conhecer; ou em ocorrências posteriores que é necessário predizer e anunciar, pois atribuímos aos deuses a faculdade de tudo verem.

12. O irracional também não deve entrar no desenvolvimento dos fatos, a não ser fora da ação, como acontece no Édipo de Sófocles.

13. Sendo a tragédia a imitação de homens melhores que nós, convém proceder como os bons pintores de retratos, os quais, querendo reproduzir o aspecto próprio dos modelos, embora mantendo semelhança, os pintam mais belos. Assim também, quando o poeta deve imitar homens irados ou descuidados ou com outros defeitos análogos de caráter, deve pintá-los como são, mas com vantagem, exatamente como Agatão e Homero pintaram Aquiles.

14. Eis o que se deve observar; é necessário, por outro lado, considerar as sensações associadas necessariamente na peça à arte própria da poesia, pois acontece freqüentemente cometerem-se faltas neste domínio. Mas sobre o assunto falei bastante nos tratados já publicados.

Notas

1. ↑ Melanipo é personagem de uma tragédia de Eurípides, à qual deu o nome. Há um verso dessa tragédia no Banquete de Platão. Eurípides compôs outras tragédias usando Melanipo, mas todas foram destruídas.
2. ↑ Medéia é uma tragédia de Eurípides. Foi representada em 413 a.C.. Oartifício cênico a que Aruistóteles se refere é o carro alado que Medéia recebe de presente do Sol, puxado por dois dragões.

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domingo, abril 12, 2009 - 00:17

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