CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

A Arte de Ser Feliz (Cecília Meireles)

Houve um tempo em que a minha
janela se abria para um chalé.

Na porta do chalé brilhava
um grande ovo de louça azul.

Neste ovo costumava pousar
um pombo branco.

Ora, nos dias límpidos,
quando o céu ficava da mesma
cor do ovo de louça,
o pombo parecia pousado no ar.

Eu era criança,
achava essa ilusão maravilhosa e
sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha
janela dava para um canal.

No canal oscilava um barco.
Um barco carregado de flores.
Para onde iam aquelas flores?
Quem as comprava?

Em que jarra... em que sala,
diante de quem brilhavam,
na sua breve experiência?
E que mãos as tinham criado?

E que pessoas iam sorrir de
alegres ao recebê-las?

Eu não era mais criança,
porém minha alma ficava
completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha
janela se abria para um terreiro,
onde uma vasta mangueira
alargava sua copa redonda.

À sombra da árvore, numa esteira,
passava quase o dia todo sentada
uma mulher, cercada de crianças.
E contava histórias.

Eu não podia ouvir, da altura da janela,
e mesmo que a ouvisse, não entenderia,
porque isso foi muito longe,
num idioma difícil.

Mas as crianças tinham tal expressão
no rosto, e às vezes faziam com as mãos
arabescos tão compreensíveis, que eu
participava do auditório, imaginava os
assuntos e suas peripécias e me sentia
completamente feliz.

Houve um tempo em que na minha janela
havia um pequeno jardim seco.

Era um tempo de estiagem,
de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.

Mas todas as manhãs vinha um pobre
homem com um balde e em silêncio,
ia atirando com a mão umas gotas
de água sobre as plantas.

Não era uma rega:
era uma espécie de aspersão ritual,
para que o jardim não morresse.
.
E eu olhava para as plantas,
para o homem, para as gotas de
água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava
completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante
de cada janela, uns dizem que essas
coisas não existem, outros que só
existem diante das minhas janelas
e outros finalmente, que é preciso
aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles, poetisa brasileira.

Submited by

domingo, setembro 5, 2010 - 01:01

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 2 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Comentários

imagem de AjAraujo

A arte de ser feliz

A nossa divina poetisa sintetiza em sua indispensável poesia: ... é preciso aprender a olhar, para poder vê-las (as pequenas coisas) assim..., como elas deveras são e representam para nossas vidas.

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Poetrix Poemas - de "Magma" (Guimarães Rosa) 2 23.472 06/11/2019 - 11:48 Português
Videos/Música Ave Maria - Schubert (Andre Rieu & Mirusia Louwerse) 1 44.878 06/11/2019 - 11:02 inglês
Poesia/Fantasia Cabelos de fogo 0 4.213 04/28/2018 - 21:38 Português
Poesia/Dedicado A criança dentro de ti 0 3.063 04/28/2018 - 21:20 Português
Poesia/Pensamentos O porto espiritual 0 4.188 04/28/2018 - 21:00 Português
Poesia/Dedicado Ano Novo (Ferreira Gullar) 1 3.246 02/20/2018 - 19:17 Português
Prosas/Drama Os ninguéns (Eduardo Galeano) 0 3.923 12/31/2017 - 19:09 Português
Poesia/Dedicado Passagem de ano (Carlos Drummond de Andrade) 0 4.536 12/31/2017 - 18:59 Português
Prosas/Contos Um conto de dor e neve (AjAraujo) 0 5.518 12/20/2016 - 11:42 Português
Prosas/Contos Conto de Natal (Rubem Braga) 0 5.246 12/20/2016 - 11:28 Português
Prosas/Contos A mensagem na garrafa - conto de Natal (AjAraujo) 0 6.141 12/04/2016 - 13:46 Português
Poesia/Intervenção Educar não é... castigar (AjAraujo) 0 3.292 07/08/2016 - 00:54 Português
Poesia/Intervenção Dois Anjos (Gabriela Mistral) 0 6.001 08/04/2015 - 23:50 Português
Poesia/Dedicado Fonte (Gabriela Mistral) 0 4.179 08/04/2015 - 22:58 Português
Poesia/Meditação O Hino Cotidiano (Gabriela Mistral) 0 5.015 08/04/2015 - 22:52 Português
Poesia/Pensamentos As portas não são obstáculos, mas diferentes passagens (Içami Tiba) 0 5.034 08/02/2015 - 23:48 Português
Poesia/Dedicado Pétalas sobre o ataúde - a história de Pâmela (microconto) 0 6.092 03/30/2015 - 11:56 Português
Poesia/Dedicado Ode para a rendição de uma infância perdida 0 5.823 03/30/2015 - 11:45 Português
Poesia/Tristeza Entre luzes e penumbras 0 4.292 03/30/2015 - 11:39 Português
Poesia/Tristeza No desfiladeiro 1 6.443 07/26/2014 - 00:09 Português
Poesia/Intervenção Sinais da história 0 4.271 07/17/2014 - 00:54 Português
Poesia/Fantasia E você ainda acha pouco? 0 5.242 07/17/2014 - 00:51 Português
Poesia/Aforismo Descanso eterno 2 5.656 07/03/2014 - 22:28 Português
Poesia/Intervenção Paisagem (Charles Baudelaire) 0 5.455 07/03/2014 - 03:16 Português
Poesia/Meditação Elevação (Charles Baudelaire) 0 5.392 07/03/2014 - 03:05 Português