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Aspiração (Antero de Quental)

Porque é que minha alma anseia
De visões e magoas cheia,
Porque ao longe devaneia
Minha mente sem cessar?
Porque à tarde, em fins do dia,
Ao cair da maresia,
Vou sobre a costa bravia
Mágoas carpir sobre o mar?

Porque se me opprime o peito
— Já de há muito à mágoa afeito —
N'esse momento imperfeito,
Misto de trevas e luz,
Quando tudo, ao longe e ao perto,
Se veste de um brilho incerto
E eu, d'esta alma no deserto,
Só diviso a paz na Cruz?

Porque ao murmúrio das fontes,
Quando a sombra desce os montes,
Fito o olhar nos horizontes
E fico mudo a cismar!
Porque à noite, a lua cheia,
«Por noites da minha aldeia»,
Choro e rio e devaneia
Meu agitado pensar?

Oh! quem é que assim me inspira
Á mente que me delira,
Ao coração que suspira
Allivios, consôlo e paz?
Quem faz que além d'esta vida
Veja uma outra promettida
E anseie essa pátria querida,
Não esta pátria falaz?

Não vem de mim nem da terra
— Que tal ouvir não encerra —
O que este peito descerra
N'um hino de tanta fé:
Eu cismo ás vezes de amores,
Porém são outros ardores,
Outros são os seus fervores,
Outro amor que este não é...

Eu tenho sonhos de glória,
Que me acodem á memória
Como a visão ilusória,
Que brilha e que se desfaz:
De ouro e nome tenho sede; —
Do poder aspiro à sede...
Mas toda esta gloria cede
Á gloria de luz e paz!

Oh! trasborda-me este afeto,
Que aqui dentro anda secreto,
Como de vaso repleto
Trasborda puro o licor!
Oh! inunda-me este oceano
De um amor tão sobre-humano,
Tão puro de todo o engano...
Que nem sei se é isto amor!

Oh! embala-me esta esp'rança,
Aonde a alma me descança
Em pura e santa bonança,
Tão bafejada de Deus,
Que não pode — eu bem o vejo —
Descender-me este desejo
Senão da pátria que invejo...
Oh! esta esp'rança é dos céus!

És tu oh Deus que me chamas!
És tu Senhor que me inflamas
N'aquelas ardentes chamas,
Que me dão tão pura luz!
És tu, oh Pai! que da altura,
Olhando a minha amargura,
Me estendes a mão segura,
A mão que a ti nos conduz!

Sim! minha alma te pressente!
Guiada por luz ingente
D'esse fanal que não mente,
Já p'ra ti desprende o vôo...
Oh! quem tem essa luz querida,
Não tem outra prometida,
Não pode amar outra vida...
Senhor! eu busco-te... eu vou!

 

Antero de Quental, poeta luso, escrito em Coimbra, 1861.


 

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segunda-feira, agosto 15, 2011 - 11:55

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