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Cedo demais...
(Dedicado a uma amiga que partiu cedo demais...)
É a irreversibilidade da morte
que me desfaz por dentro,
a saudade de um futuro que nunca será.
Vejo o teu rosto como se uma recordação apenas fosse,
uma imagem que se desfaz como espuma dentro d’água.
A raiva da ausência de sentido,
da ausência de todos os sentidos em todas as coisas sentidas por mim,
ou por nós.
Nada tem sentido,
eternamente
as coisas são sempre apenas coisas,
sentidos são sempre ideias e sonhos e dores que carregamos no peito,
até que um dia a vida nos fura nos penetra
como um tiro uma lança no peito da alma
e não sobra nada,
nunca sobra nada quando a vida cai no chão.
Fica sempre só a dor,
a raiva, a vontade de cuspir na vida,
de a olhar de lado,
como se ela fosse apenas quase-alguma-coisa digna de respeito.
Nunca te abracei.
Maldição, que vida gasta em nadas,
sonha-se tudo mas fica-se sempre de mãos vazias.
Porque não te abracei eu enquanto estavas aqui?,
se agora a única coisa que queria era enlaçar-te com o meu corpo
e dizer-te,
com palavras feitas de braços e pernas e peito e rosto,
que és especial e que habitas dentro de mim na forma de um sorriso.
A morte é uma abstracção
que não encontra sinónimo na vida do concreto,
num mundo de pedras e pessoas,
de carros e prédios e pernas braços e palavras sons e imagens,
num mundo de tudo,
que raio é o nada da morte?
Que faz ela aqui?,
eterna estrangeira entre nós,
turista sempre presente entre os habitantes autóctones desta vida.
A morte é um engano
um erro dolorosamente necessário,
como se se precisasse de aprender
e esquecer
e voltar a aprender
o que não tem qualquer necessidade de,
ou propósito ao,
ser aprendido.
Porque nunca há nada a ser aprendido
ou compreendido,
esta existência é sempre apenas
uma casca de árvore seca
a boiar num rio qualquer,
nem o rio pensa
nem a casca sente
nem as margens olham
ou seguem o movimento das águas,
nada alguma vez existiu para ser coisa alguma ou nenhuma,
a vida é um molho de pedras caídas no chão
espalhadas ao acaso,
os desenhos que elas fazem são sempre inventados imaginados,
são sempre… nada
O que é que fica?,
se algo fica,
fica o sonho de que tudo isto não passe de um sonho,
não passe de memória de algo que nunca aconteceu,
como uma risada solta despreocupadamente,
um encolher de ombros feliz,
porque tudo estaria então bem.
O que é que fica?
Se algo fica,
fica a saudade…
a saudade de nunca ter sentido o cheiro do teu cabelo,
ou o ter passado entrededos,
como se vento ou água fosse,
a saudade de não saber que sonhos carregavas no peito,
que asas te fariam voar se as encontrasses ou soltasses.
Fica a dor de te ter deixado partir
sem antes te ter deixado chegar,
plenamente,
pousando as bagagens que trarias,
tomando um duche no meu coração,
espreguiçando-te nas almofadas da minha alma,
ver-te adormecer na paz de te saberes em casa também tua.
O meu coração foi casa
que esteve sempre de portas abertas,
mas, sem tal querer,
acabei por nunca te convidar a entrar.
E assim os dias passaram e,
hoje, acabaste por partir,
sem nunca teres chegado.
E ficou assim,
para trás,
uma casa mais vazia,
porque tu foste embora,
uma casa mais sozinha,
uma casa onde moro agora,
onde vivem apenas eu e um sonho,
o sonho que tudo seja apenas um sonho
e que,
por detrás das paredes invisíveis da minha esperança,
estejas tu,
feliz como sempre te conheci,
a construir o palácio da tua vida.
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