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Ilhas de carne
Estes homens e mulheres
são ilhas de carne,
náufragos num mar de gente
que não tem nem os olhos
nem os ouvidos
necessários para os ver
ou ouvir,
estes seres são ilhas que,
por definição,
nunca se tocam,
mas que se entendem de alguma forma,
criam-se enquanto arquipélagos de gente,
desenvolvendo acordos tácitos,
linguagens comuns,
falas silenciosas
construídas sobre olhares
e resmungos inaudíveis,
perceptíveis apenas
através da dança das rugas dos seus rostos,
são uma sub-espécie humana,
composta,
todavia,
e no seu todo,
por membros da espécie maior,
são iguais a todos os outros,
a única diferença consistindo no facto
de parecerem eles não ter nome ou idade,
nem sonhos dentro da cabeça
ou um coração no peito e outro na alma,
são cidadãos esquecidos,
deliberadamente esquecidos,
somos nós que os vemos
e esvaziamos o olhar,
para que não se veja que vimos,
somos homens e mulheres de olhos vazios,
escondendo-nos de um outro em farrapos,
somos um exército de mortos-vivos
filhos da puta
sem consciência ou coragem,
dois vocábulos grandes
e grandemente apagados
da consciência colectiva.
Mas,
e para se ser totalmente honesto,
neste mar que somos,
este mundo de corpos e cabeças,
neste mar
não existem senão ilhas,
a água existe sempre em regime absolutista,
não há continentes na raça humana,
porque a prática dos dias
mostra que todos somos pedaços de terra
ilhas isoladas entre águas frias,
ninguém se toca,
ninguém se sente,
há sempre uma barreira invisível,
uma membrana transparente
que nos deixa parecer colados uns aos outros,
mas sem nunca nos sentirmos.
Somos uma multidão
de corpos ignorantes do outro,
habitantes dentro de castelos,
somos almas abandonadas
como casas em meio de campos,
exército que se destrói
e a outros
na ânsia de encontrar uma fuga à solidão,
uma fuga ao esquecimento dos sonhos
e calor humanos,
procuramos uma forma de encontrar
algures
alguém
que seja mais do que um corpo apenas
e esquecido,
mais do que uma fortaleza de vidraça,
mais do que um mero fragmento
do que se podia ser.
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