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Linguage dos óio (Patativa do Assaré)

Quem repara o corpo humano

E com coidado nalisa,

Vê que o Autô Soberano

Lhe deu tudo o que precisa,

Os orgo que a gente tem

Tudo serve munto bem,

Mas ninguém pode negá

Que o Auto da Criação

Fez com maior prefeição

Os orgo visioná.


Os óio além de chorá,

É quem vê a nossa estrada

Mode o corpo se livrá

De queda e barruada

E além de chorá e de vê

Prumode nos defendê,

Tem mais um grande mistér

De admirave vantage,

Na sua muda linguage

Diz quando qué ou não qué.


Os óios consigo tem

Incomparave segredo,

Tem o oiá querendo bem

E o oiá sentindo medo,

A pessoa apaixonada

Não precisa dizê nada,

Não precisa utilizá

A língua que tem na bôca,

O oiá de uma caboca

Diz quando qué namorá.


Munta comunicação

Os óio veve fazendo

Por izempro, oiá pidão

Dá siná que tá querendo

Tudo apresenta na vista,

Comparo com o truquista

Trabaiando bem ativo

Dexando o povo enganado,

Os óios pissui dois lado,

Positivo e negativo.


Mesmo sem nada falá,

Mesmo assim calado e mudo,

Os orgo visioná

Sabe dá siná de tudo,

Quando fica namorado

Pela moça despresado

Não precisa conversá,

Logo ele tá entendendo

Os óios dela dizendo,

Viva lá que eu vivo cá.


Os óios conversa munto

Nele um grande livro inziste

Todo repreto de assunto,

Por izempro o oiá triste

Com certeza tá contando

Que seu dono tá passando

Um sofrimento sem fim,

E o oiá desconfiado

Diz que o seu dono é curpado

Fez arguma coisa ruim.


Os óis duma pessoa

Pode bem sê comparado

Com as água da lagoa

Quando o vento tá parado,

Mas porém no mesmo istante

Pode ficá revortante

Querendo desafiá,

Infuricido e valente;

Neste dois malandro a gente

Nunca pode confiá.


Oiá puro, manso e terno,

Protetó e cheio de brio

É o doce oiá materno

Pedindo para o seu fio

Saúde e felicidade

Este oiá de piedade

De perdão e de ternura

Diz que preza, que ama e estima

É os óio que se aproxima

Dos óio da Virge Pura.


Nem mesmo os grande oculista,

Os dotô que munta estuda,

Os mais maió cientista,

Conhece a lingua muda

Dos orgo visioná

E os mais ruim de decifrá

De todos que eu tô falando,

É quando o oiá é zanoio,

Ninguém sabe cada óio

Pra onde tá reparando.

 

Antônio Gonçalves da Silva, "Patativa do Assaré".

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quinta-feira, setembro 8, 2011 - 21:55

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