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Mãe, hoje escrevo o poema da nossa vida
mas recordo…
Sentada na soleira da porta,
em dias de estio, sufocantes
dando pontos na roupa
– que bem ficava –
unindo pontos de sonhos
que sonhavas
no silêncio dessas tardes.
Chegava da escola,
cheirava a requeijão.
Comias, deliciada.
Meu irmão acompanhava
mas eu detestava.
Nunca te escrevi,
mas recordo…
Encurvada no chão que esfregavas,
limpo de nódoas, cheirando a rosas.
Acocorada no lavadouro
improvisado.
Pedras irregulares de um rio juncado
salteado de águas estagnadas,
insalubre. Mosquitada
que sacudias das faces cansadas.
Roupa alva que eu espalhava
pelos jogos de formas ovaladas.
Em fantasia era personagem heroína.
Ali, era já mulher menina.
Nunca te escrevi,
mas recordo…
a mulher de força anímica,
na arena da vida lutadora,
a mãe de coração aberto
que cedia, a meu pedido,
a malga de caldo à amiga
da escola. Na sacola pão,
queijo e azeitonas. O caldo
aquecia-lhe o magro coração.
Nunca te escrevi,
mas recordo…
A funcionária zelosa,
a vizinha prestimosa,
o olhar expressivo,
o cabelo em carrapito,
a roupa sedutora
a atitude generosa,
o sorriso acolhedor
num sentir sofredor.
Hoje escrevo
o que és, mãe!
A casa do teu ser,
o sol de cada amanhecer,
o legado de um passado,
o presente, em mim, incrustado…
OF, 05-05-13
Foto em http://portate-mal.blogspot.pt/
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