CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

O Guardador de Rebanhos - Poema I (Fernando Pessoa)

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
É se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva

Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural –
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.


Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) - O Guardador de Rebanhos, Poema I - 08/03/1914.

Albert Camus (1913-1960), grande escritor argelino com ascendência francesa, autor de O Estrangeiro e O Mito de Sísifo.

Submited by

quinta-feira, outubro 28, 2010 - 00:25

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 22 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Comentários

imagem de AjAraujo

O Guardador de Rebanhos - I

Sublime criação de seu heterônimo "Alberto Caeiro", esta obra dividida em partes é como uma grande sinfonia composta através da magia da poesia que tão bem soube decantar o mestre Fernando Pessoa, cujo legado literário se imortalizou.

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Intervenção Árvore-vida 0 2.742 05/14/2012 - 18:22 Português
Poesia/Aforismo Cascata 0 2.196 05/14/2012 - 18:19 Português
Poesia/Haikai Lágrimas da folha 0 1.967 05/14/2012 - 18:16 Português
Videos/Música De paso (Luis Eduardo Aute) 0 2.424 05/01/2012 - 00:31 Espanhol
Videos/Teatro De la luz a la sombra (Luis Eduardo Aute) 0 13.372 05/01/2012 - 00:27 Espanhol
Videos/Música La vida al pasar (Luis Eduardo Aute) 0 3.880 05/01/2012 - 00:17 Espanhol
Poesia/Meditação Tempo será (Manuel Bandeira) 0 1.888 04/25/2012 - 10:57 Português
Poesia/Meditação Voz de fora (Manuel Bandeira) 0 2.663 04/25/2012 - 10:55 Português
Poesia/Dedicado Meninos Carvoeiros (Manuel Bandeira) 0 3.892 04/25/2012 - 10:53 Português
Poesia/Meditação Pesquisa (Paulo Mendes Campos) 0 2.665 04/23/2012 - 11:01 Português
Poesia/Meditação Infância (Paulo Mendes Campos) 0 3.027 04/23/2012 - 10:57 Português
Poesia/Meditação Copacabana 1945 - excertos (Paulo Mendes Campos) 0 1.593 04/23/2012 - 10:55 Português
Poesia/Alegria O sol e o poeta 1 2.076 04/14/2012 - 17:34 Português
Poesia/Meditação O sonho nos envia sinais para... viver 0 1.296 04/14/2012 - 12:06 Português
Videos/Música Irish Traditional Music (Joannie Madden, Bill Douglas and Taliesin Orchestra) 0 5.620 04/14/2012 - 11:23 inglês
Videos/Música Song for the Avatar Movie ending (Enigma) 0 3.036 04/14/2012 - 11:14 Português
Videos/Música Winter HD Landscapes New Age Music HD (James Asher) 0 4.640 04/14/2012 - 10:59 inglês
Poesia/Dedicado Magdalena (Marina Tsvetáieva) 0 1.488 04/14/2012 - 01:25 Espanhol
Poesia/Amor Poema do Fim (Marina Tsvetáieva) 0 6.508 04/14/2012 - 01:10 Português
Poesia/Intervenção Psique (Marina Tsvetáieva) 1 1.640 04/14/2012 - 00:58 Português
Poesia/Pensamentos Quando nada é certo, tudo é possível (Margareth Drabble) 0 3.162 04/11/2012 - 12:33 Português
Poesia/Pensamentos A capacidade de mudar o mundo (Margareth Mead) 0 2.329 04/11/2012 - 12:19 Português
Poesia/Meditação Enigma, Sigma (a propósito dos seres e as drogas) 0 1.953 04/11/2012 - 12:13 Português
Poesia/Amor Uma Carta de Amor (Julio Cortazar) 1 15.424 04/11/2012 - 09:55 Português
Poesia/Meditação Tenho (Nicolas Guillen) 0 2.290 04/11/2012 - 00:39 Português