CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Procura da Poesia (Carlos Drummond de Andrade)

   
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina. As afinidades,
os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo,
tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo
ou de dor no escuro são indiferentes.

Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco
e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas
nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem;
rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade. Para ele, chuva e noite,
fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros.
Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta,

sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade.

 

Submited by

terça-feira, novembro 1, 2011 - 12:04

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 34 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Dedicado A charrete-cegonha levava os rebentos para casa 0 2.442 07/08/2012 - 21:46 Português
Poesia/Meditação A dor na cor da vida 0 1.062 07/08/2012 - 21:46 Português
Poesia/Dedicado Os Catadores e o Viajante do Tempo 1 4.114 07/07/2012 - 23:18 Português
Poesia/Alegria A busca da beleza d´alma 2 3.018 07/02/2012 - 00:20 Português
Poesia/Dedicado Amigos verdadeiros 2 4.017 07/02/2012 - 00:14 Português
Poesia/Meditação Por que a guerra, se há tanta terra? 5 2.463 07/01/2012 - 16:35 Português
Poesia/Intervenção Verbo Vida 3 5.358 07/01/2012 - 13:07 Português
Poesia/Meditação Que venha a esperança 2 3.535 07/01/2012 - 13:04 Português
Poesia/Intervenção Neste Mundo..., de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 3.016 07/01/2012 - 12:34 Português
Poesia/Intervenção Do Eterno Erro, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 6.954 07/01/2012 - 12:34 Português
Poesia/Intervenção O Segredo da Busca, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 1.431 07/01/2012 - 12:34 Português
Poesia/Dedicado Canções sem Palavras - III 0 2.530 06/30/2012 - 21:24 Português
Poesia/Intervenção Seja Feliz! 0 2.965 06/30/2012 - 21:14 Português
Poesia/Meditação Tempo sem Tempo (Mario Benedetti) 1 3.268 06/25/2012 - 21:04 Português
Poesia/Dedicado Uma Mulher Nua No Escuro 0 4.293 06/25/2012 - 12:19 Português
Poesia/Amor Todavia (Mario Benedetti) 0 2.922 06/25/2012 - 12:19 Português
Poesia/Intervenção E Você? (Charles Bukowski) 0 2.798 06/24/2012 - 12:40 Português
Poesia/Aforismo Se nega a dizer não (Charles Bukowski) 0 2.064 06/24/2012 - 12:37 Português
Poesia/Aforismo Sua Melhor Arte (Charles Bukowski) 0 2.027 06/24/2012 - 12:33 Português
Poesia/Tristeza Não pode ser um sim... 1 3.300 06/22/2012 - 14:16 Português
Poesia/Aforismo Era a Memória Ardente a Inclinar-se (Walter Benjamin) 1 1.745 06/21/2012 - 16:29 Português
Poesia/Amizade A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se (Walter Benjamin) 0 2.568 06/20/2012 - 23:45 Português
Poesia/Aforismo Vibra o Passado em Tudo o que Palpita (Walter Benjamin) 0 3.560 06/20/2012 - 23:45 Português
Poesia/Aforismo O Terço 0 1.905 06/19/2012 - 23:26 Português
Poesia/Desilusão De sombras e mentiras 0 0 06/19/2012 - 23:23 Português