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Uivos na Solidão da Noite

Aldeia isolada por montes e vales, e uma assombrosa floresta. Tempo que foi passando e deixou a vida para trás. Um velho aguarda o passar do corvo pela sua porta, os anos trataram de lhe retirar as expressões da sua cara que demonstravam sentimentos.
Sem nada para além da doença que o vai corroendo, e do uivar dos lobos, famintos, durante a noite, que procuram algo que a morte já levou há muito tempo. Eles continuam a uivar num desespero agonizante de fome, como crianças em tempo de guerra, a chorar por um simples pedaço de comida que apazigúe os seus estômagos carenciados. Mas é o uivar dos lobos que não deixam o velho fechar os olhos, são a única companhia que tem, não se pode dar ao luxo de ao dormir perder a conversa dos seus “amigos”.
O sussurro solitário do vento, o estalar das velhas madeiras doridas pela humidade, as pedras disformes comidas pelo tempo, que agora montam as casas vazias desprovidas de vida e preenchidas de mistérios. Histórias por contar, encerradas, assombram os caminhos sem caminhantes, sem passos para os encher, apenas a terra revirada pelo tempo que passa. Já ninguém visita estes caminhos, a terra fica imóvel.
Agora só o velho se atreve, por vezes, caminhar pelos caminhos que mais ninguém pisa. Sim por vezes, porque o tempo tem-lhe retirado a força dos músculos e os ossos do seu corpo apenas servem para aguentar a sua carcaça de pele murcha. Pouco se mexe, passa grande parte dos seus dias sentado nos degraus de pedra em frente de sua casa, à espera do grande corvo negro ceifador de vidas.
Os seus dias passam com o lento desfilar das nuvens, que parecem se acomodarem num pequeno espaço no céu, mas devagar lá se vão movendo. Todos os dias são iguais para quem aguarda a morte à sua porta.
À noite os lobos voltam a uivar, aquecem o corpo trémulo e gélido do velho moribundo, uivos que ecoam por entre o negro da floresta em redor da aldeia, atravessam a noite até aos ouvidos já estragados do velho solitário, deitado na sua cama. Os olhos nunca fecham, e ao primeiro raio do Sol, levanta-se esperando a chegada do grande corvo negro. Mais um dia.
Mas hoje é um dia diferente, nuvens carregadas de negro atravessam-se no caminho do Sol, o velho levanta a cabeça, a pálida cor dos seus olhos pintam-se de preto, e sente que este é o seu dia. A noite chega mais cedo hoje, os uivos dos lobos acompanham o nascer da Lua. O velho continua a aguardar a chegada do grande corvo negro, mas este demora-se a chegar e a levar a sua vida, provavelmente teve de fazer outras paragens.
Finalmente umas largas asas negras avistam-se sobre a claridade da Lua, este paira durante momentos, como que procurando a sua vítima, deixando-se ser bem observado, para que o velho saiba que a morte paira por cima do seu corpo mórbido, mas de alma jovem, pronta a ser levada.
O velho aconchega os ouvidos com os uivos dos seus queridos amigos, os lobos, que espreitam por entre as árvores milenares da floresta. O corvo começa a voar mais baixo, preparando-se para o toque, para o ataque mortal. O velho aguarda pacientemente, mas agora os uivos parecem mais um choro, o velho sente que lhes deve algo, pelos longos anos de cantarolar, que tanta companhia lhe fizeram nas noites abandonadas da aldeia. Os lobos também sentem que o seu único ouvinte está prestes a abandoná-los, e já não terão motivos, mais razão para uivar até de madrugada, senão por saudade. O velho levanta-se dos degraus que nunca aquecem, independentemente do tempo lá passado sentado.
Ele corre, já não é bem correr, mas para ele aquela forma de movimentar as pernas, é correr. Segue em direcção à floresta, procurando os uivos, o grande corvo negro observa-o, persegue-o, ele tem de levar hoje a alma do velho, a sua hora chegou. Ele corre, corre, sem saber por onde segue, mas também não interessa, ele sabe que os seus amigos o irão encontrar. Os uivos ficam mais fortes, mais perto, mais agressivos. Avista uma clareira, um local rodeado de portas sem fim, que não levam a lado nenhum.
Ele senta-se no centro da clareira, o grande corvo negro não se demora a sobrevoar o local, volta a desenhar círculos em volta da Lua, tão afastada do mundo. Os uivos param, dezenas de olhares vermelhos, cravados de fogo, surgem por detrás de cada uma das portas da clareira. Os seus amigos chegaram, seguiram o cheiro a pele podre, mas mesmo assim apetecível. O velho mantém-se calmo, quieto. As dezenas de lobos amigos famintos saltam esgazeados de fome. Sequiosos rasgam a carne, partem ossos, devoram o corpo do velho. Em alguns minutos pouco resta do velho solitário, agora todos os seus amigos têm um pedaço dele. O corpo evapora-se mas a alma fica. O grande corvo negro pousa junto aos restos do velho, debica um pouco a sua carne, e de seguida levanta voo. O grande corvo negro voa à procura de uma nova aldeia onde vida brote com a aurora de um novo dia, talvez aí ele consiga entregar um pouco de morte com o desfalecer do Sol e o nascimento da Lua.
Os lobos uivam.

- Miguel Nogueira

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sábado, janeiro 31, 2009 - 00:01

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DieaGun

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Re: Uivos na Solidão da Noite

Um poema bem escrito, gostei!!! :-)

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