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Arrependimento

Aqui encontro-me eu mais uma vez. Não sei quando deixarei de escrever, mas creio estar bem perto. Estas dores tornaram-se insuportáveis, ontem amputaram-me uma perna e retiraram a bala que me atingira no peito, por sorte (ou azar), não me atingira nenhum órgão vital, no entanto está a criar hemorragias, tenho uma dor de costas que me anda a desinquietar e não sei o que me espera a seguir. Sinto que a minha morte está cada vez mais perto, e olho para trás, para a minha vida e percorre-me um sentimento de não tê-la aproveitado, não ter feito nada de útil, de não ter sido realmente feliz.
Os rostos dos meus camaradas percorrem-me a memória, alguns cujo nome já não me recordo, assombrações e vultos na minha cabeça, companheiros cuja morte podia ter sido evitada, e pela qual eu nunca me senti culpada, nem sequer consegui lançar à terra uma única lágrima.
Lembro-me, quando entrei para a Academia e fiquei com a ideia de que deveria impor e defender a disciplina militar, quase como que uma máxima. Nas vésperas do meu juramento de bandeira, uma batalha se deu então, na minha mente, comecei então a deliberar se devia guiar-me por uma ética do ponto de vista de Kant (que eu no fundo não acreditara ser de todo possível) ou seguir à risca os valores da cavalaria medieval, mesmo que fosse contra o meu dever, enquanto militar e na qual eu sempre acreditara e quisera servir. Nada de extremos, segui em frente e jurei Bandeira. Foi o melhor dia da minha vida, assinalar perante todos a minha eterna aliança para com Portugal, o que para uma jovem, era um incentivo a mostrar a minha gratidão para com o exército por me dar a oportunidade de concretizar o meu sonho, servir e honrar a Pátria acima de tudo. A minha vida era uma busca incessante por uma conduta brilhante, um espírito de camaradagem, cortesia e respeito para com todos sem distinção. Procurava ser a melhor, ser digna de pertencer ao exército, queria dominar as artes bélicas para um dia saber agir em qualquer situação. Sei que o fiz da melhor forma, e considero ter sido uma aluna exemplar. Finalmente entrei no exército a sério, conseguia fazer uma boa gestão entre a teoria e a prática e manter o espírito de camaradagem para com os meus subordinados, colaborando ao máximo com eles e reprimindo-os quando estes se desviavam da Honra para com Pátria.
Eu era uma guerreira, tinha de cumprir a minha missão. Mas, como alguém uma vez me disse, já não existem heróis. Com o tempo, na minha mente, a palavra Pátria e exército tornaram-se sinónimos, não vira mais nada à frente, a minha vida era aquilo, o meu amor tinha-se tornado em fanatismo. A minha vida estava no exército, eu queria atingir o utópico patamar da “máxima perfeição”, então esforcei-me para ter uma conduta brilhante e estar preparada para lutar pela pátria. Não sabia o que seria de mim sem aquele uniforme, que me era tão querido como a minha vida.
Foram bons tempos, até que um novo desafio se me impôs, Portugal entrara em guerra. Via-me na importante missão de finalmente por em prática tudo o eu aprendi e treinei durante anos. A guerra chegara, tínhamos como obrigação proteger o país, de finalmente dar prova da nossa devoção ao país, mesmo que implicasse a oferta da própria vida por amor à Pátria. Muitos partiram, muitos ficaram com lesões graves, sem poder fazer mais nada desta vida. Era só mais uma vida que por mim passava, que comigo convivera e que morrera no cumprimento da sua missão.
Hoje estou aqui, numa cama de hospital, sozinha à dias e sem visitas, espero somente pela Morte, para que esta também me leve a mim para junto dos meus camaradas. Já nada me resta, apenas este sentimento de saber que podia ter sido tudo diferente. Eu queria servir o país, ajudar a população e creio ter feito tudo errado.
Tenho a certeza que fui digna de me designar de militar, sei que segui, sempre, os códigos de conduta, o que eu considerava ser o meu dever. Hoje não sei se valeu a pena, tanto amei a Bandeira, que larguei tudo por amor. Não consegui amar mais nada, tornei-me frívola, perdi a minha família e amigos, não mais consegui gostar de alguém, não mais consegui ter compaixão para com os outros. Acarretava todas as ordens, fazia de tudo para servir o país, só assim me sentia digna de usar o uniforme. Mas hoje ao pensar nos troféus e medalhas que tenho na estante do meu quarto, só consigo lembrá-los e associá-los ao pagamento pela minha servidão, a que eu mesma, aos poucos, sem dar conta me propus sem nunca antes sentir arrependimento por tal.
Agora sentido as minhas últimas pulsações, tomei consciência do que fiz ao longo de anos, de tudo o que deixei por este maníaco amor.
Tenho tantas saudades da minha mãe e da minha irmã. Gostava tanto de ter aqui alguém ao meu lado para me ajudar neste momento tão difícil. Podia ter dado ouvidos a quem me avisara para não ir para o exército e ter ido para a universidade para um dia construir robôs que salvassem vidas. Podia ter continuado a escrever poesia, podia lutar por um mundo mais justo, ajudando os mais fracos e os animais, porque as grandes revoluções começam em nós. Pois, se calhar não se deve lutar com armas de fogo, mas sim pela pacificidade, se queremos a paz.
Neste momento, sinto um aperto no coração, o meu corpo está dormente, as costas doloridas, sinto que é agora a minha hora…
Abro os olhos, vejo que estou deitada num sofá de uma sala que me é familiar. Respiro, o meu coração bate, estou viva, não passou de um pesadelo. Posso ainda mudar o futuro, posso evitar este desfecho, mas será que vou mesmo fazê-lo? Só o tempo o dirá.

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sexta-feira, agosto 27, 2010 - 06:56

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melissaposeidon

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Re: Arrependimento

Uma boa estreia em prosa.
A tua escrita é fecunda e precisa. O modo como sustentas um todo, o modo como transmites emnoção é muito bom.
Frases chave nos momentos certos:
Respiro, o meu coração bate, estou viva, não passou de um pesadelo.
comecei então a deliberar se devia guiar-me por uma ética do ponto de vista de Kant (que eu no fundo não acreditara ser de todo possível) ou seguir à risca os valores da cavalaria medieval, mesmo que fosse contra o meu dever
A duvida Kantiana no texto, remete-nos para algo superior, para as duvidas da personagem, e dá um toque formal á sin taxe do texto.
A acompanhar a tua escrita.

Boa estreia em prosa!

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