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Carta eterna
Um
"...olhavas-me de baixo e eu sentia-me como presa naquele quadro dependurado naquela parede nua... havias-me pintado, traço a traço, ruga a ruga com aquele lápis de cera preta com que fazias os teus gatafunhos... olhavas-me de baixo e eu sentia-me perdida no meio do teu olhar que não sabia ler, que não sabia entender... havias-me traçado a pele enrugada à volta dos olhos, nas faces, as próprias linhas do franzir habitual da minha testa... como me houveras pintado tão bem... ainda recordo aquela manhã em que sentada no banco da cozinha me havias pedido para posar para ti... ri-me como se pudesses fazer tal coisa... e, depois destes anos todos passados, em que regresso apenas em memória, olho-te de cima e vejo-te a olhar para mim daí de baixo, em pé nesse chão de tábuas rabugentas e bafiosas... olhas-me com um olhar parado, sem fulgor, apagado, mas olhas-me e recordas-me... só não consigo entender se me olhas por respeito se por amor... e a dúvida mantém-me presa dentro desta moldura..."
Dois
"... na verdade, esta moldura é a minha prisão... de tão perfeitos traços me retrataste que me sinto afogada neles como se eles fossem a minha própria alma, o cerne do amor que nos inundava enquanto a vida me era dada para viver... lembras-te, meu amor, de todas aquelas cartas que te escrevi enquanto presa dentro de outras grades, linhas estreitas que me afastavam de ti ou que te afastaram de mim... nunca soube o porquê e essa dúvida, que ainda hoje, aqui de cima mantenho, será a minha companhia na eternidade... é ela também que me concede a possibilidade de te ver aí olhando-me aqui nesta parede nua, dentro de mim mesma vazia e tão prenhe de linhas com que me vestiste naquela manhã na cozinha no banco sentada, rindo-me da tua certeza... meu amor, a paz que me preenche não retira a dor que mantive e que comigo trouxe; a paz que me preenche é uma paz por amor a ti mas a dor essa jamais sairá de mim; é um pouco como eu nestes riscos presente na tua mente quando daí em baixo me olhas... resta-me a doçura da lágrima que vejo cair da tua face nesse chão carcomido pelo tempo que não nos foi concedido... dor de mim em teu peito também ele dorido..."
"...olhavas-me de baixo e eu sentia-me como presa naquele quadro dependurado naquela parede nua... havias-me pintado, traço a traço, ruga a ruga com aquele lápis de cera preta com que fazias os teus gatafunhos... olhavas-me de baixo e eu sentia-me perdida no meio do teu olhar que não sabia ler, que não sabia entender... havias-me traçado a pele enrugada à volta dos olhos, nas faces, as próprias linhas do franzir habitual da minha testa... como me houveras pintado tão bem... ainda recordo aquela manhã em que sentada no banco da cozinha me havias pedido para posar para ti... ri-me como se pudesses fazer tal coisa... e, depois destes anos todos passados, em que regresso apenas em memória, olho-te de cima e vejo-te a olhar para mim daí de baixo, em pé nesse chão de tábuas rabugentas e bafiosas... olhas-me com um olhar parado, sem fulgor, apagado, mas olhas-me e recordas-me... só não consigo entender se me olhas por respeito se por amor... e a dúvida mantém-me presa dentro desta moldura..."
Dois
"... na verdade, esta moldura é a minha prisão... de tão perfeitos traços me retrataste que me sinto afogada neles como se eles fossem a minha própria alma, o cerne do amor que nos inundava enquanto a vida me era dada para viver... lembras-te, meu amor, de todas aquelas cartas que te escrevi enquanto presa dentro de outras grades, linhas estreitas que me afastavam de ti ou que te afastaram de mim... nunca soube o porquê e essa dúvida, que ainda hoje, aqui de cima mantenho, será a minha companhia na eternidade... é ela também que me concede a possibilidade de te ver aí olhando-me aqui nesta parede nua, dentro de mim mesma vazia e tão prenhe de linhas com que me vestiste naquela manhã na cozinha no banco sentada, rindo-me da tua certeza... meu amor, a paz que me preenche não retira a dor que mantive e que comigo trouxe; a paz que me preenche é uma paz por amor a ti mas a dor essa jamais sairá de mim; é um pouco como eu nestes riscos presente na tua mente quando daí em baixo me olhas... resta-me a doçura da lágrima que vejo cair da tua face nesse chão carcomido pelo tempo que não nos foi concedido... dor de mim em teu peito também ele dorido..."
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