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Era o que me faltava! - 7

.

7

 

(continuação)

 

Tenho que ser sincera: nunca me passou pela cabeça que uma abrutalhada como a Berta fosse tão delicada a masturbar-me e a gozar o meu corpo. Também nunca imaginei que a sensualidade com outra mulher fosse tão agradável, mesmo tão saborosamente libertina. Até me assusto com a minha entrega tão devassa. Atrás das grades, esta dissolução é libertadora. Ao princípio, à noite, corpo saciado, chorava e chorava como uma Madalena arrependida. Era o medo de sermos apanhadas e afinal serem-me retirados, em regime severo, estes escaldantes devaneios.

A Nanda é “aquela” voz. O homem traz-lhe para cá a droga nos intestinos. Não devia escrever isto, estou a pôr a cabeça no cepo. É tempo de eu pedir uma consulta do psiquiatra da prisão. Talvez consiga dar a volta à cabeça do Dr. Valverde, que eu bem me lembro da disfarçada gula com que amiúde me fitou durante o questionário proforma de avaliação do meu perfil psicológico, poucos dias depois de eu cá ter chegado…

O Celso. Tipo inteligente e vivido. Foi o meu quarto marido. Casar e descasar, com toda a credibilidade, é fácil, como vêem. Bem, narrados assim os meus casamentos podem também parecer um mar de rosas, o que não foram. A convivência estreita de qualquer par é uma relação que, podendo ser duradoura, nunca pode estar livre de momentos e situações de instintivo antagonismo, de ideias ou de actos, e de naturais conflitos, mais ou menos agrestes consoante as personalidades das pessoas. Os interesses envolvidos no contrato são muito vastos e a maioria das vezes há a tentação de os resumir a um definitivo vínculo de posse moral. E todos sabemos que tal não passa de um engano, e que o respeito da fidelidade ao acasalamento não faz mais do que envenenar o espírito de um ou do outro. Hoje, o valor da convenção social, felizmente, já quase não é por ser expressa num papel ou num ritual que aprisiona a mentalidade. Outros dias virão e decerto outras regras sociológicas, porventura até mais coarctante do livre arbítrio, mas creio que depois de milénios de evolução civilizacional, contados já os que passaram, sobre tudo nós as mulheres teremos aprendido a cuidar mais ciosamente da preciosa esfera de liberdade individual com que, por natureza, surgimos neste mundo. Vamos devagar mas seguimos um caminho irreversível. De qualquer modo, a existência, cada vez mais confortável mas nem sempre mais facilitada, não nos dispensará nunca de possuirmos interesses diferenciados e de precisarmos de os defender conscienciosamente, sob pena de nos tornarmos todos iguaizinhos, do mesmo sexo, e bonzinhos, uma autêntica sensaboria.

Desaparecido o Henrique, a minha vida obviamente teria de mudar. Como se tivesse apenas estado a gozar umas belas férias, durante dois anos, entretida particularmente com as minhas leituras, às quais também voltara a dedicar-me, animada recreação social e fortalecimento do espírito e do corpo, chegara novamente a altura de traçar planos para o futuro próximo. Amealhara um bom pecúlio, a que acresciam algumas jóias que ele me oferecera, mas no meu estilo de vida havia agora exigências que não poderia sustentar sem trabalho. Aquele apartamento, por exemplo, não me surpreenderia se tivesse de pagar renda para continuar a ocupá-lo. O carro ganhara-o de presente, mas se o dono resolvesse recusar-me a regularização da propriedade... Assunto prioritário.

Por isso nessa mesma noite voltei à sala de jogo. Arranjei-me menos exuberantemente mas não com menos audácia. Levei algum dinheiro e a pedrita-talismã do Henrique, e um pensamento a acicatar-me de onde em onde: “— Não vais jogar, não!...”

Dívida de jogo é questão de honra. Mal o sujeito apareceu, estava eu no Bar a bebericar um Martini, dirigi-lhe um sorriso convidativo e ele ao ver-me ali sozinha veio ter comigo. Antes mesmo de me cumprimentar levou a mão ao bolso interior do casaco e retirou um envelope que me entregou apressadamente. Por delicadeza não abri o sobrescrito pois tinha a certeza de que o que ele continha era o documento de legalização do carro. Guardei-o imediatamente na minha bolsinha e perguntei então com simpatia: — Faz-me companhia numa bebida? — O sujeito fitou-me um momento, depois baixou o olhar sobre os meus joelhos, provocantemente a descoberto através da racha da saia, porque eu estava meio sentada meio em pé no banco alto do Bar, e em seguida, sorriso a abrir-se-lhe no rosto, foi subindo a sua apreciação, afagando com olhos sabedores as curvas do meu corpo, muito vagarosamente, como se lutasse consigo próprio para furtar-se a irremediavelmente ser submetido pelo feitiço dos túmidos botões dos meus seios. Aí, suspirou, sacudiu a mão num gesto que significava estar a capitular, e gargalhou baixinho: — Sem defesa... Você mereceu o meu lindo jipe. Parabéns!
 

 
(continua)

Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

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quinta-feira, maio 2, 2013 - 11:11

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Nuno Lago

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