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Gomercindo dos Reis: o Poeta de Passo Fundo
Paulo Monteiro
No período em que comemoramos o sesquicentenário de emancipação político-administrativa de Passo Fundo, é de inteira justiça lembrar a figura do poeta Gomercindo dos Reis. Passo-fundense, nascido em Pinheiro Marcado, no então distrito de Carazinho, se não foi o primeiro poeta local, foi o que mais cantou Passo Fundo, especialmente o Boqueirão.
Sua filha, Nira Worm Reis, que reside entre nós, permitiu-me acesso a originais autógrafos do poeta, de onde retiro alguns poemas dedicados à terra natal. Os poemas, escritos entre 1915 e 1956, foram publicados em revistas e jornais consagrados, como “O Malho”, “Fon-Fon”, “Vida Chic” e “Ilustração Pelotense”, além dos jornais passo-fundenses, “O Nacional”, “Diário da Manhã” e “A Tarde”, além de periódicos de Santa Catarina e Paraná.
Gomercindo dos Reis formou seu estilo literário na primeira metade do século XX, lendo os grandes poetas da chamada “Belle Époque”, fundamentalmente os parnasianos. A exemplo de outros poetas passo-fundenses, que foram seus contemporâneos, como Antonio Donin e André Pithan, permaneceu fiel à poemática dos seus modelos. Assim, majoritariamente, encontramos em sua obra a poesia metrificada. Praticou, de preferência, a redondilha maior e o decassílabo. Cultuou, dentre os poemas de forma fixa, o soneto e o sonetilho, práticas que o filiam como um continuador da poesia da “Bella Époque”.
Transcrevo, a seguir, acompanhados de observações rápidas, alguns dos poemas que dedicou a Passo Fundo. A poesia – e Gomercindo dos Reis foi verdadeiramente um Poeta – dispensa comentários. Algumas de suas obras, aquelas que têm um gosto de crônica, “poemas datados”, na definição consagrada pela Crítica Literária, mereceram observações mais pertinentes, outras, como “Bacanal do Casino”, deixamos, por motivos óbvios, à mercê do esforço investigativo de quem desejar identificar os personagens envolvidos.
Comecemos por um poema de 1938, antecipando o tema do “gaúcho que não dobra esquina”, imortalizado por Victor Matheus Teixeira, o Teixeirinha. Era um período em que o veterano da Revolução de 23, enfrentava a ditadura estado-novista e o interventor Arthur Ferreira Filho.
Carapuça
Tenho medo até de sombra,
Me apavora o lobisomem,
Tudo no Mundo me assombra,
Menos o “bufo” dum Homem!
Tenho horror duma peleia,
Tudo eu temo neste Mundo,
Só não temo é cara feia
Porque sou de Passo Fundo!
De dia ou de noite escura
Ando sozinho – sou Homem!
Não me assusta essa figura
Semelhante ao lobisomem!
Não faz mal seu safardana
Pode andar me hostilizando!
Quando passa a caravana
Também ficam cães ladrando!
Passo Fundo
10/6/938
Outro poema em que exalta a coragem dos passo-fundenses chama-se Vulcão da Serra. Por isso, mesmo sem dada de escrita e publicação, foi disposto ao lado do poema acima. O original, no terceiro verso da segunda estrofe consta “investe”, que o poeta, de próprio punho, substituiu por “entra”.
Vulcão da Serra
Ao meu prezado amigo Francisco de Lima Morsch
Na gloriosa Passo Fundo
Há brasileiro de ação,
Que briga no campo raso
E briga também de avião.
Na gloriosa Passo Fundo.
Que é berço de rebelião,
Há brasileiro que corta
Metralhadora a facão.
Na gloriosa Passo Fundo
Nesta terra, neste chão,
Há Maragato que entra
Pela boca de um canhão!
Na gloriosa Passo Fundo,
Na cidade e no sertão,
Há fogueira n'alma humana
como chamas num vulcão!!!
Passo Fundo é o título de um poema poema com data de 8/11/936.
Passo Fundo, Passo Fundo,
Tem Jesus a nos guiar,
Tem estrelas cintilantes,
Tem noites de almo luar.
Passo Fundo, Passo Fundo,
Tem loiras e tem morenas,
Lindas mulheres que matam
As minhas mágoas e penas...
Passo Fundo, Passo Fundo,
Não precisa ter roseiras:
Há uma rosa em cada face
Das mocinhas feiticeiras.
Passo Fundo, Passo Fundo,
Tem por arma o guamirim,
A espada, cavalo e lança,
Tem heróis, na luta, enfim!
Passo Fundo, Passo Fundo,
Foi sitiado em vinte e três:
Cuidado, que os maragato
Querem cercá-lo outra vez...
Passo Fundo, Passo Fundo,
Já cumpriu o seu mister,
- Tendo Prestes Guimarães,
- Tendo Antonino Xavier!!!
8/11/936
No dia 24 de agosto de 1954, noticiado o suicídio de Getúlio Vargas, amotinados, os seguidores tentaram tomar o prédio do Diário da Manhã, que ficava na esquina das ruas Coronel Chicuta e Independência. Gomercindo dos Reis noticia os fatos num poema publicado a 9 de setembro daquele ano. O poeta relata o que aconteceu na reunião ocorrida na sede do diretório municipal do Partido Trabalhista Brasileiro e o que se seguiu, depois, com investida contra o jornal de Túlio Fontoura, oportunidade em que morreu o aspirante Jenner, e a posterior depredação das sedes do Partido Libertador e do Partido da Representação Popular, sucedâneo do Ação Integralista Brasileira, partido fascista, liderado por Plínio Salgado. Casas de antigetulistas, como o libertador Gomercindo dos Reis, também foram atacadas.
Comício e Tiroteio
Começaram as piadas dos últimos acontecimentos. A 24 do corrente houve um comício em frente à sede do P.T.B., em sinal de protesto pela morte do Sr. Getúlio Vargas. Um cavalheiro que lá se achava, como mero espectador, quando irrompeu um sério conflito, deu as de Vilas Diogo em direção à Praça. Topando-se comigo em frente à “Casa Sonora”, disse: “Vem tiroteio, foge, Reis, porque bala contra o povo não traz endereço certo...”
A morte do ex-presidente
Trouxe um protesto solene,
Foi tão sério e veemente
Que o povo ficou infrene.
Falou primeiro o Canfieldt,
E o caso tornou-se preto,
Exaltando a gente humilde
Falou Nei Menna Barreto.
Qual Gambeta do Rio Grande
Discursou o Daniel Dipp,
Se o nosso povo se expande,
Agüenta, agora, Felippe...
Já tristonho e meio bambo,
Quais em lágrimas e prantos,
Ouvimos Basílo Rambo,
Mais o Doutor César Santos.
Vi que a plebe Bagunceira
Já estava bem na genebra...
No final da discurseira
Começou - o quebra-quebra...
Houve grande estardalhaço
Contra o “Diário da Manhã”,
Onde há touro há guampaço,
E a tentativa foi vã!...
Naquele instante se ouvia
Tumulto e gritos – de guerra!
Lá dentro do “Diário” havia
Dez touros cavando terra...
São deploráveis os fatos
Que esta noite se passaram,
Na sede dos Maragatos
Tudo o que havia quebraram.
Era gente amotinada
Nem mesmo o meu
Escritório escapou da tijolada,
Da sanha do zé-povório!
Como este povo bem viu
Ninguém deteve essas hordas,
Vitorino faz “bugiu”,
Depois me deixa nas “cordas”...
E o Partido Integralista
Também foi esbodegado,
Já tinha o couro na lista,
Desta vez ficou Salgado...
Com tiroteio de novo
Fui me afastando de perto,
Porque bala contra o povo
Não traz endereço certo...
P. Fundo, 28-8-154
Gomercindo dos Reis foi um cronista em versos, quando se trata de Passo Fundo. Deixou, por exemplo, alguns poemas, de 1951, sobre as eleições municipais daquele ano. Legou-nos, outros tantos, como este publicado no Diário da Manhã, a dois de novembro de 1952, descrevendo a surra que um prefeito levou, por causa de uma das prostitutas que faziam as glórias do Cassino da Maroca. Publicou-o sob o pseudônimo de Pinhão Cru.
Bacanal no Cassino
Por causa de duas mulheres rivais, uma chamada – Turca – e outra – Turquinha – houve um sério quebra-cara no salão de danças do Cassino de Passo Fundo
No Cassino a farra é grande
Lá dançam as Messalina,
Mulheres lindas, divina,
Coquetes que têm rival:
Champanha, música e flores,
Encanto, beleza e arte,
Cochichos por toda a parte,
Ciumeiras na bacanal...
Vê-se a Turca sorridente
Mais linda do que os amores,
Parece um jardim de flores
De formosa que ela é;
De olhos negros, fascinantes,
Envenena seus amantes
Nas danças do Cabaret!
E a Turquinha endiabrada,
Com ancas e lindos seis,
Quando dança faz meneios
No palco das bacanais;
Conhaque, champanha, uísque,
Vai e vem o diz-que-diz-que
Das duas turcas rivais...
Nessa noite forasteiro
Que dançava com a Turquinha
Por maus olhares que tinha,
Um conflito provocou:
Era um prefeito já bêbado
Que às quatro da madrugada
Saiu de cara estragada
Dos sopapos que levou...
Neste Brasil de Los Vargas
Já se vive em plena orgia,
Na grande cena se via
Grande afronta ao nosso povo.
Quem não vê que a camarilha
Pretende viver agora,
Como nos tempos de outrora,
Nas farras do Estado Novo!...
Iraí, outubro de 1952.
Num sonetilho (nome que se dá ao soneto em versos com menos de dez sílabas métricas – decassílabo), em redondilha maior, canta os encantos de Passo Fundo. Aliás, o setissílabo era um dos versos preferidos pelo poeta. O título original do poema era Passo Fundo. Trata-se de um poema da juventude do autor, escrito nos tempos em que se grafava “attraente”, “circumdada”, “pinheiraes”... À época usava o pseudônimo Garcindo Dornelles.
Cidade Encantada
Esta cidade encantada
Fica atraente demais,
Assim toda circundada
De orgulhosos pinheirais.
Foi talvez privilegiada
Pelos seres divinais
Por isso é toda prenda
De belezas naturais.
Sendo afilhada de Deus
Possui um solo fecundo,
Encanto dos olhos meus!
A terra de Passo Fundo,
Orgulho dos filhos seus,
É o paraíso do mundo!.
Quando se aproximava a data de emancipação de Passo Fundo, poeta publicou, em O Nacional de 23 de outubro de 1954, um poema alusivo à efeméride. Em epígrafe aos versos, vê-se que acreditava que a emancipação ocorrera a 7 de agosto de 1857. Evidente erro, naquela data aconteceu a instalação da Câmara Municipal. Ele mesmo, enquanto um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Passo Fundo contribuiu para esse erro. Tentou corrigi-lo, alguns anos depois, mas o dano já estava causado...
Canção do Centenário de Passo Fundo
Poesia dedicada aos consagrados artistas Renato Murce e Eliana
...........
Como é do nosso conhecimento, a 7 de agosto de 1957, o município vai comemorar o seu 1º centenário de emancipação política.
Conforme li nas obras o ilustre historiador passo-fundense, Sr. F. A. Xavier e Oliveira, a cidade nasceu para os lados do poente, nos campos de Cabo Neves.
Como a flor que procura o sol da manhã, virando a haste, a nossa encantadora cidade pendeu para o nascente
Para a frente Passo Fundo
Que a vitória há de surgir;
Teu primeiro centenário
Mostra glórias no porvir.
Nos campos de Cabo Neves
Foi que a cidade nasceu;
Daquele sítio risonho
Para o nascente pendeu.
Oh! Passo Fundo adorada!
Tens Jesus a nos guiar,
Tens estrelas cintilantes
E noites de almo luar!
Cm raios de luz da aurora
Passo Fundo floresceu,
É um lindo jardim de rosas
Que a natureza nos deu.
Tenho n'alma enlevada
No lago do rio Jacuí,
No luar que beija as águas
Da represa Capingüí!
Esta terra hospitaleira
É encanto de tantas almas,
Como é dadivosa e boa,
Seu povo merece palmas.
Naqueles campos floridos
Do planalto ela cresceu,
Como a flor também se inclina
Para o nascente pendeu!
Com raios de luz da aurora
Passo Fundo floresceu,
É um lindo jardim de rosas
Que a natureza nos deu!...
26-9-1954.
O Bairro Boqueirão era uma das fontes inspiradoras do poeta. Com a aproximação do Centenário de Passo Fundo, algumas pessoas começaram a conferir-lhe o título de “Terra de Fagundes dos Reis”. E esse líder do movimento emancipacionista acabou adquirindo fama de “fundador da cidade” e até de “primeiro morador”, contra a verdade histórica assentada em torno da primazia de Manoel José das Neves. O poeta revolta-se contra os novidadeiros, invocando em seu auxílio a figura guerreira do general maragato Antônio Ferreira Prestes Guimarães, neto do Cabo Neves. É o que canta neste poema, que faz parte da coletânea que tenho em mãos consta:
Boqueirão!
Homenagem póstuma à memória de Prestes Guimarães e Joaquim Fagundes dos Reis. Dedicada, também, aos habitantes do poético Boqueirão, legítimo fundadores da cidade, pioneiros da emancipação política do município.
Disse Antonino Xavier,
Num dos livros que escreveu:
- Nos campos de Cabo Neve
Foi que a cidade nasceu –
Daquele sítio risonho
Para o nascente cresceu.
E agora o povo está vendo
Querem jogar na sarjeta
O velho pai centenário!
Mas trema o pulso, a caneta,
De quem pretender deixá-lo
A ossos de borboleta...
Neste recanto da Pátria
Vê-se um passado de glória,
Tem fundadores e filhos
Para se honrar a memória!
Seus nomes já são lembrados
Na voz do povo, na história.
Pioneiros do Boqueirão,
De hora em hora Deus melhora,
Deixai o tempo correr...
Que esses governos de agora
Hão de ver que há sucessores
Daqueles bravos de outrora!
Gente da terra lendária
Essa afronta clama aos Céus!
Faz tremer as catacumbas,
Tragam Prestes Guimarães,
Lança, espada e mais troféus!
De um raio de luz da autora
A Passo Fundo nasceu,
- Um lindo jardim de rosas
Que a natureza nos deu
Como a flor também se inclina,
Para o nascente pendeu!
Oh! Boqueirão da minha Alma!
Desse teu berço de amor,
Eu recordo as serenatas,
A viola, a gaita, o cantor,
As noites enluaradas,
E as pitangueiras em flor!
Vejo a carreta e cargueiros
Do gaúcho varonil,
Vejo a macega, o ranchinho,
Mais a chinoca gentil,
E ouço o berro de um touro
Nessa Avenida Brasil!
Da velha Matriz de outrora
Recordo em prantos e ais
O sino do Campanário,
- Preces, cantos divinais -
E os raios do sol doirando
A copa dos pinheirais!
Joaquim Fagundes dos Reis,
Já estão jogando labéus
No Boqueirão da minha Alma!
Revolvam os mausoléus,
Tragam Prestes Guimarães,
Lança, espada e mais troféus!
P. Fundo, 30-10-53
O Boqueirão está presente neste último poema, que foi recitado durante reunião do Grêmio Passo-Fundense de Letras em meados de junho de 1952, e publicada no Diário da Manhã de 25 daquele mês e ano.
Meu Velho Boqueirão
Dedicado aos habitantes do lendário Boqueirão, que foi a cidade primitiva, o berço de Passo Fundo.
Trago sempre na lembrança
Aqueles tempos de outrora,
Bem diferentes de agora,
Do meu velho Boqueirão;
Trago ainda na memória
Os versos que eu recitava
E as modinhas que cantava
Nas cordas do meu violão.
De uma morena me lembro,
Trago impresso na retina
Sua graça peregrina,
Seus encantos que senti;
Lembro ainda uma loirinha
De olhos azuis e bonita,
Tinha um vestido de chita
Que outro mais lindo, não vi!
Tudo agora é diferente,
Não vejo mais os pinheiros,
Já morreram os gaiteiros
Que à noite vinham cantar;
Não vejo a velha bailante,
Nem a luz dos pirilampos
Que vagueavam pelos campos,
Em noites de almo luar...
Esses encantos passaram
E o que vemos hoje em dia
É somente hipocrisia
De mulher – sem coração!
Por isso às vezes recordo
Os versos que eu recitava
E as modinhas que cantava
No meu velho Boqueirão!
Lembro-me bem da morena,
Quando morreu, era linda!
Mas a loira existe ainda,
Para o mundo ela sorri...
Não perdeu os seus encantos,
De olhos azuis e bonita,
Tinha um vestido de chita
Que outro mais lindo, não vi!
Transcrevo a seguir dois poemas de Gomercindo dos Reis. No primeiro, de 1948, canta a Passo Fundo de antigamente; no segundo, de 1951, a Passo Fundo que ele imaginava para o futuro. Ei-los:
Passo Fundo de outrora
Ao ilustre historiador patrício e amigo, Sr. Francisco Antonino Xavier e Oliveira
Quanta beleza que havia
Naquele romper de aurora,
Cheio de encanto e poesia
Da Passo Fundo de outrora!
Quando me vinha um bafejo
Da primavera ou verão,
Sempre se ouvia um realejo
No meu velho Boqueirão!...
Na Passo Fundo adorada,
De uma esperança infinita,
Minha sorte era tirada
No bico da caturrita...
Como minha alma sonhava,
Pelas estradas sem fim,
Quando a guitarra tocava
Nos ranchinhos de capim!
No alegre florir dos anos
Da Passo Fundo de outrora,
Não havia os desenganos,
Nem as tristezas de agora.
Tinha minha alma enlevada
No violão de algum cantor,
Quando ouvia uma alvorada,
Belas cantigas de amor...
Naquela vila poética,
Das florestas e dos campos,
Não havia luz elétrica:
Tinha a luz dos pirilampos.
Quanta beleza que havia
Naquele romper da Aurora,
Cheio de encanto e poesia
Da Passo Fundo de outrora!...
Passo Fundo 13-9-1948
Passo Fundo de amanhã
AOS HABITANTES DA COMUNA
Para a frente habitantes da Comuna
Que a vitória há de surgir
Límpida, cristalina e retumbante,
No presente e no porvir.
Um povo em harmonia, unido e forte,
Dando exemplo singular,
Terá a força das “varas misteriosas”
Que ninguém pode quebrar.
Lutar pela grandeza da Comuna
Nos encanta e nos apraz;
O egoísmo, qual poeira das estradas,
Devem deixar para traz!
Na cidade, nas vilas e nos campos
Vê-se a firme diretriz
De um povo laborioso e progressista
Que a vitória nos prediz.
Se o trabalho nos honra e glorifica
Dedicai-vos com afã,
Que tereis riqueza e paz na Comuna
Para os dias de amanhã.
Olhai com simpatia os ruralistas
Que, no inverno e no verão,
São heróis nas florestas e nos campos,
Nas lavouras do sertão!
Qual um facho de luz no Céu da Pátria
Contemplai nossos aviões
Que lá vão através das nuvens brancas,
Em diversas direções.
Nas fábricas, nos campos e hospitais
Podeis observar também
Milhares de operários e de médicos
Que trabalham para o Bem.
A gloriosa e lendária Passo Fundo
Tem as graças do Senhor;
Nos esportes, escolas e ginásios
Canta a mocidade em flor!
Para a frente habitantes da Comuna
Que a vitória há de surgir,
Límpida, cristalina e retumbante,
No presente e no porvir!...
Natal de 1951
Outra característica de Gomercindo dos Reis, enquanto cantor das coisas terrunhas, era dedicar poemas a mulheres que se destacassem. Sirva de exemplo este que publicou louvando uma das moças passo-fundenses mais belas de sua época:
Yara Lucas
À Soberana da Graça, Srta. Yara Lucas, Rainha do Carnaval do Clube Caixeiral e candidata a miss Rio Grande, com muitas possibilidades de vitória.
Essa Rainha que passa,
Com tanta beleza e Graça,
Pelos salões, a cantar,
É uma Rainha divina,
Que os nossos olhos fascina,
Nos encanta e faz sonhar...
Se essa morena atraente,
Deslumbra os olhos da gente
Com a Graça singular,
Em verdade nos encanta,
Tem qualquer coisa de Santa
Na expressão de seu olhar!
Nestas horas de alegria,
Cheias de encanto e Poesia,
Há noites de almo luar;
E a soberana da Graça,
É como a jóia sem jaça,
Tem o dom de fascinar...
Quando ela fala, sorrindo,
A gente fica sentindo
Que há nela um vago cismar...
Na cidade se propala
Que há doçura em sua fala
Que há magia em seu olhar!...
Carnaval de 1949
Gomercindo dos Reis, passo-fundense, poeta, jornalista, político fiel ao parlamentarismo, cantou como poucos sua terra natal. Se há um poeta aqui nascido, que merece o epíteto de “Poeta de Passo Fundo”, é o autor de dois livros de versos Jardim de Urtigas e Nuvens e Rosas, ambos de 1957.
(*) Paulo Monteiro é membro titular da cadeira 32 da Academia Passo-Fundense de Letras, que tem como patrono o poeta e jornalista Gomercindo dos Reis. Seu endereço para correspondência é: Paulo Monteiro, Caixa Postal 462, CEP 99001-970, Passo Fundo, RS.
Gomercindo dos Reis: o Poeta de Passo Fundo II
Com a publicação dos poemas abaixo, concluímos a coletânea de poemas de Gomercindo dos Reis, iniciada na edição passada da Revista Somando.
Comício e Tiroteio
Começaram as piadas dos últimos acontecimentos. A 24 do corrente houve um comício em frente à sede do P.T.B., em sinal de protesto pela morte do Sr. Getúlio Vargas. Um cavalheiro que lá se achava, como mero espectador, quando irrompeu um sério conflito, deu as de Vilas Diogo em direção à Praça. Topando-se comigo em frente à “Casa Sonora”, disse: “Vem tiroteio, foge, Reis, porque bala contra o povo não traz endereço certo...”
A morte do ex-presidente
Trouxe um protesto solene,
Foi tão sério e veemente
Que o povo ficou infrene.
Falou primeiro o Canfieldt,
E o caso tornou-se preto,
Exaltando a gente humilde
Falou Nei Menna Barreto.
Qual Gambeta do Rio Grande
Discursou o Daniel Dipp,
Se o nosso povo se expande,
Agüenta, agora, Felippe...
Já tristonho e meio bambo,
Quais em lágrimas e prantos,
Ouvimos Basílo Rambo,
Mais o Doutor César Santos.
Vi que a plebe Bagunceira
Já estava bem na genebra...
No final da discurseira
Começou - o quebra-quebra...
Houve grande estardalhaço
Contra o “Diário da Manhã”,
Onde há touro há guampaço,
E a tentativa foi vã!...
Naquele instante se ouvia
Tumulto e gritos – de guerra!
Lá dentro do “Diário” havia
Dez touros cavando terra...
São deploráveis os fatos
Que esta noite se passaram,
Na sede dos Maragatos
Tudo o que havia quebraram.
Era gente amotinada
Nem mesmo o meu
Escritório escapou da tijolada,
Da sanha do zé-povório!
Como este povo bem viu
Ninguém deteve essas hordas,
Vitorino faz “bugiu”,
Depois me deixa nas “cordas”...
E o Partido Integralista
Também foi esbodegado,
Já tinha o couro na lista,
Desta vez ficou Salgado...
Com tiroteio de novo
Fui me afastando de perto,
Porque bala contra o povo
Não traz endereço certo...
P. Fundo, 28-8-154
O Bairro Boqueirão era uma das fontes inspiradoras do poeta. Com a aproximação do Centenário de Passo Fundo, algumas pessoas começaram a conferir-lhe o título de “Terra de Fagundes dos Reis”. E esse líder do movimento emancipacionista acabou adquirindo fama de “fundador da cidade” e até de “primeiro morador”, contra a verdade histórica assentada em torno da primazia de Manoel José das Neves. O poeta revolta-se contra os novidadeiros, invocando em seu auxílio a figura guerreira do general maragato Antônio Ferreira Prestes Guimarães, neto do Cabo Neves. É o que canta neste poema, que faz parte da coletânea que tenho em mãos consta:
Boqueirão!
Homenagem póstuma à memória de Prestes Guimarães e Joaquim Fagundes dos Reis. Dedicada, também, aos habitantes do poético Boqueirão, legítimo fundadores da cidade, pioneiros da emancipação política do município.
Disse Antonino Xavier,
Num dos livros que escreveu:
- Nos campos de Cabo Neve
Foi que a cidade nasceu –
Daquele sítio risonho
Para o nascente cresceu.
E agora o povo está vendo
Querem jogar na sarjeta
O velho pai centenário!
Mas trema o pulso, a caneta,
De quem pretender deixá-lo
A ossos de borboleta...
Neste recanto da Pátria
Vê-se um passado de glória,
Tem fundadores e filhos
Para se honrar a memória!
Seus nomes já são lembrados
Na voz do povo, na história.
Pioneiros do Boqueirão,
De hora em hora Deus melhora,
Deixai o tempo correr...
Que esses governos de agora
Hão de ver que há sucessores
Daqueles bravos de outrora!
Gente da terra lendária
Essa afronta clama aos Céus!
Faz tremer as catacumbas,
Tragam Prestes Guimarães,
Lança, espada e mais troféus!
De um raio de luz da autora
A Passo Fundo nasceu,
- Um lindo jardim de rosas
Que a natureza nos deu
Como a flor também se inclina,
Para o nascente pendeu!
Oh! Boqueirão da minha Alma!
Desse teu berço de amor,
Eu recordo as serenatas,
A viola, a gaita, o cantor,
As noites enluaradas,
E as pitangueiras em flor!
Vejo a carreta e cargueiros
Do gaúcho varonil,
Vejo a macega, o ranchinho,
Mais a chinoca gentil,
E ouço o berro de um touro
Nessa Avenida Brasil!
Da velha Matriz de outrora
Recordo em prantos e ais
O sino do Campanário,
- Preces, cantos divinais -
E os raios do sol doirando
A copa dos pinheirais!
Joaquim Fagundes dos Reis,
Já estão jogando labéus
No Boqueirão da minha Alma!
Revolvam os mausoléus,
Tragam Prestes Guimarães,
Lança, espada e mais troféus!
P. Fundo, 30-10-53
O Boqueirão está presente neste último poema, que foi recitado durante reunião do Grêmio Passo-Fundense de Letras em meados de junho de 1952, e publicada no Diário da Manhã de 25 daquele mês e ano.
Meu Velho Boqueirão
Dedicado aos habitantes do lendário Boqueirão, que foi a cidade primitiva, o berço de Passo Fundo.
Trago sempre na lembrança
Aqueles tempos de outrora,
Bem diferentes de agora,
Do meu velho Boqueirão;
Trago ainda na memória
Os versos que eu recitava
E as modinhas que cantava
Nas cordas do meu violão.
De uma morena me lembro,
Trago impresso na retina
Sua graça peregrina,
Seus encantos que senti;
Lembro ainda uma loirinha
De olhos azuis e bonita,
Tinha um vestido de chita
Que outro mais lindo, não vi!
Tudo agora é diferente,
Não vejo mais os pinheiros,
Já morreram os gaiteiros
Que à noite vinham cantar;
Não vejo a velha bailante,
Nem a luz dos pirilampos
Que vagueavam pelos campos,
Em noites de almo luar...
Esses encantos passaram
E o que vemos hoje em dia
É somente hipocrisia
De mulher – sem coração!
Por isso às vezes recordo
Os versos que eu recitava
E as modinhas que cantava
No meu velho Boqueirão!
Lembro-me bem da morena,
Quando morreu, era linda!
Mas a loira existe ainda,
Para o mundo ela sorri...
Não perdeu os seus encantos,
De olhos azuis e bonita,
Tinha um vestido de chita
Que outro mais lindo, não vi!
Transcrevo a seguir dois poemas de Gomercindo dos Reis. No primeiro, de 1948, canta a Passo Fundo de antigamente; no segundo, de 1951, a Passo Fundo que ele imaginava para o futuro. Ei-los:
Passo Fundo de outrora
Ao ilustre historiador patrício e amigo, Sr. Francisco Antonino Xavier e Oliveira
Quanta beleza que havia
Naquele romper de aurora,
Cheio de encanto e poesia
Da Passo Fundo de outrora!
Quando me vinha um bafejo
Da primavera ou verão,
Sempre se ouvia um realejo
No meu velho Boqueirão!...
Na Passo Fundo adorada,
De uma esperança infinita,
Minha sorte era tirada
No bico da caturrita...
Como minha alma sonhava,
Pelas estradas sem fim,
Quando a guitarra tocava
Nos ranchinhos de capim!
No alegre florir dos anos
Da Passo Fundo de outrora,
Não havia os desenganos,
Nem as tristezas de agora.
Tinha minha alma enlevada
No violão de algum cantor,
Quando ouvia uma alvorada,
Belas cantigas de amor...
Naquela vila poética,
Das florestas e dos campos,
Não havia luz elétrica:
Tinha a luz dos pirilampos.
Quanta beleza que havia
Naquele romper da Aurora,
Cheio de encanto e poesia
Da Passo Fundo de outrora!...
Passo Fundo 13-9-1948
Gomercindo dos Reis, passo-fundense, poeta, jornalista, político fiel ao parlamentarismo, cantou como poucos sua terra natal. Se há um poeta aqui nascido, que merece o epíteto de “Poeta de Passo Fundo”, é o autor de dois livros de versos Jardim de Urtigas e Nuvens e Rosas, ambos de 1957.
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