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IV - A ponte
É o momento de cear e já todos se encontram no seu canto, alguns rezando, outros aguardando e mais uns quantos embirrando, porque não era o que eles queriam. Todos, salivando um prato atulhado em sustento, ansiando sustentarem-se com ele.
É o momento de cear. Todos salivam, mas nem todos salivam pela tentação em começar a esvaziar aquele imenso farto de comida. Aguardo também, no lar e sentado, com água na boca. Mas não por iniciar o processo a que convém apelidar de desperdício. Aguardo o instante em que o caixote se enche, para ir cavar a minha própria morte, o sustento desperdiçado. Sentir o autêntico paladar do sentido, mesmo que a troco da ceifa da minha vida. Saborear o todo do desejo e, todavia, não me sentir desejado pelo gosto. Ser egoísta ao ponto de roubar a mais ínfima porção do prazer de deliciar, sem deixar escapar para o mantimento essa deliciosa satisfação.
Julgam que no interior de cada residência reside a condição que concebe ao ser humano a compreensão de cada gustação. E como o podem fazer se nunca experimentaram o paladar do suor? É este que recompensa o esforço e me revela o real paladar de cada sustento, deixando-me no devaneio do sabor delirante. Mas, afinal, de que se trata o tão bendito suor? Sim, é isso mesmo. Aquilo que sumiu há muitas eras dos Homens, quando estes deram de caras com a lei do menor esforço e preferiram viver do que eles denominam cómodo, pondo de parte o verdadeiro sentido desta última palavra. Eu alimento-me, comodamente, do meu suor, de uma maneira para eles vergonhosa. Mas é certo, tenho em mim uma genuína purificação das papilas gustativas.
E não preciso aguardar os outros para cear, porque a espera atrairá mais e mais papilas gustativas como as minhas, que, com certeza, serão tão egoístas quanto eu. Sou egoísta, para sentir comodidade preciso de o ser. Quero o que é bom para mim e só quero o que preciso. Tenho de devorar, no mínimo tempo, o máximo sustento, de maneira a que as sobras para outros da minha espécie sejam mera ilusão. Além disso, exijo de mim a agilidade de não deixar vestígios de presença, ou acabaria por ditar a minha sentença, já que os frívolos seres humanos que depositam o desperdício julgam alimentarem-me. E alimentarem o mendigo é auto-humilhação. Segundo a sua perspectiva devem exterminar-me, de maneira a que criaturas diferentes deixem de prevalecer. Visam atingir igualdades, mas eu sou desigual, tal e qual eles me definem, não é?
As birras, seguidas do “não quero isso!” e “não gosto disso!”, são, francamente, a sua queda no ritual do desperdício. Sofrem a transformação em seres humanamente vulgares no momento em quaisquer sinais de educação gustatória deveriam ser atribuídos, mas não são. E sem a capacidade de escolha, sofrem a influência de alguém que foi influenciado por outro influenciado. Quando os provo, sabem-me a pudor. Sei que não têm a mínima capacidade de selecção, mas admito também que, mais tarde, irão ser os “leis do menor esforço” que impedirão reais sabores, gostos e paladares invadirem cada recanto de um então formado novo mundo.
Todavia, permaneço no mesmo lado, eternamente condenado aos costumes tão do meu quotidiano. Estou aqui, não porque tenho, mas porque quero. Quero continuar a valorar o íntimo de cada capricho, que tão satisfeito deixa o meu paladar. Quero continuar a gostar das texturas e forma do saborear! E, de cada vez que olhar o prato atulhado, conceder-lhe o tamanho concreto! O tamanho, o tão desesperado tamanho!
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