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Júlio Salusse e os Mistérios da Fama e da Imortalidade
Paulo Monteiro
A imortalidade literária é indecifrável e antitética. Há escritores que escrevem centenas de volumes que acabam entregues à crítica roedora dos ratos, para usar uma expressão machadiana. Para outros bastam os quatorze versos de um soneto para que fiquem eternizados. Este é o caso do fluminense Júlio Mário Salusse.
O poeta de “Cisnes” era, pelo lado paterno, neto de uma das primeiras imigrantes suíças, Marianne Joset, que colonizaram Nova Friburgo, e de Guillaume Marius Salusse, oficial de Napoleão Bonaparte, que sobreviveu à Batalha Naval de Trafalgar, onde morreu o famoso almirante Nelson. Marianne, órgão durante a travessia do Atlântico, era sovina e autoritária ao extremo; Guillaume era um sonhador, embriagado com a glória medalha de ouro que Napoleão, in extremis, mandara deixar de herança aos heróis de suas aventuras militares. Marianne era o terror de filhos e netos; Guillaume, a glória viva que podiam tocar. Dele, herdaram o sonho de imortalidade e da avó a riqueza material.
O poeta, nascido na Fazenda do Gonguy, no atual município de Bom Jardim, a 30 de março de 1872, recebeu o mesmo nome do pai, vitimado por uma epidemia de tifo, quando o filho tinha poucos meses de vida. A mãe, de nome Hortência, casou pouco tempo depois. O padrasto, movido por ciúme póstumo, na definição de Nilo Bruzzi em “JÚLIO SALUSSE, O ÚLTIMO PETRARCA” (Editora Autora, 2.ª Edição, Rio de Janeiro, 1956), não gostava do enteado. Entre o filho e o segundo marido, Hortência optou pelo segundo, entregando o menino, aos cinco anos, para a avó cainha.
Com a morte do avô herda uma verdadeira fortuna que lhe permitirá estudar em bons colégios, iniciar o curso de Direito na Faculdade de São Paulo, transferindo-se depois para o Rio de Janeiro. Dá-se ao luxo de interromper os estudos e passar vários meses em Paris, levando vida de nababo e escandalizando franceses ao contar histórias mirabolantes de leões gigantescos caçados em seu castelo imaginário de Nova Friburgo, onde produzia um champanhe dez vezes mais caro que as congêneres mais caras da Cidade Luz. A “Lamblais”, na verdade lembrava um tal Lamblais, que fabricava um vinho ordinário de abacaxi.
As mulheres de sua infância marcariam sua vida e sua obra. De um lado a mãe que o trocou pelo padrasto e a avó pão-dura, de outro o carinho da tia Júlia Michaela, solteirona, e das primas, como Josefina. Essas mulheres antípodas levaram-no ao celibato e a aventuras amorosas que o conduziriam à pobreza quase absoluta.
Em Paris tem rápido envolvimento com Cléo de Meròde, primeira bailarina da Ópera de Paris, favorita do rei Leopoldo II, da Bélgica, e de outros milionários, como o príncipe de Galles, que lhe deu um formidável Castelo nas cercanias de Paris, por uma noite de amor.
Deu-lhe, como pagamento antecipado, apenas uma camélia. Gabava-se dessa aventura, nos seguintes termos:
“– A mocidade tem encantos e audácias deliciosas. Naquele tempo Rei da Bélgica e Príncipe de Galles não me assustavam”.
De volta ao Brasil, conclui o curso de Direito e vai advogar e exercer o Ministério Público no interior do Rio e Minas Gerais.
Ainda acadêmico, em 1894, publicou “Nevrose Azul”, livro do qual não se conhece qualquer exemplar. Nele está “Cisnes”, divulgado pela primeira vez em maio do ano anterior, na revista “O Álbum”, conforme pesquisa de Carlos Heitor Castelo Branco, em “Salusse, o Poeta dos Cisnes” (Editora Hucitec, São Paulo, 1979). O biógrafo, “sem jamais ter visto o livro”, como escreve Antônio Carlos Citem, na introdução que escreveu para “OBRA POÉTICA DE JÚLIO SALUSSE” (ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL, vol. 113, 1993, Rio de Janeiro, país. 149 a 188), conta que na edição príncipe, desaparecida, o poema teria uma espécie de continuidade.
Os biógrafos, como Rubens Falcão, ator da plaqueta “JÚLIO SALUSSE”, impressa em 1973, sem data e sem local, afirmam que “Cisnes” foi inspirado por Laura de Nova Friburgo, filha do 2º Conde de Nova Friburgo. Outra musa do poeta seria Vera Van Erven, ambas primas. Estudos históricos e genealógicos, disponíveis na internet vão de encontro às informações dos biógrafos, ouvidas do próprio poeta.
Segundo J. B. Athayde, em seu inédito “Genealogia Fluminense – Morais Originários de Cantagalo”, citado por Pedro Wilson Carrano Albuquerque, em texto disponível no sítio Usina de Letras, a inspiradora do soneto foi Maria Honorata da Silva Freire, avó de Laura, nascida pela década de 1820 e já falecida em 1898. As crônicas da época registram que sempre foi bonita, mesmo em idade avançada. E tem mais, segundo o mesmo Pedro Wilson, Vera Van Erven nasceu em 24 de abril de 1885, portanto, mais de dois anos após a publicação do soneto. Já Laura de Nova Friburgo nasceu em 1893 falecendo em avançada idade no ano de 1971.
A serem verdadeiras as informações de historiadores e genealogistas fluminenses toda a história envolvendo o amor de Júlio Salusse pela “castelã do Barracão, lindíssima, de um moreno delicioso, olhos brilhantes e escuros, cabelo castanho, delicada, distinta, recém chegada da Europa, onde se fora instruir (...)” como a descreve Nilo Bruzzi, que conviveu com o poeta nos últimos trinta e tantos anos de vida é mais um cisne, literariamente criado. Como é que um soneto poderia ser inspirado exatamente uma década antes do nascimento da inspiradora.
Assim, é mesmo possível como registrou J. B. de Athayde que tenha sido a avó e não a neta. Isto, porém, já é um caso para alguém que aprecie a chamada crítica literária psicológica.
Preso entre mulheres antitéticas, a simpática e bela Maria Honorata da Silva Freire poderia muito bem ter inspirado “Cisnes” e outros poemas juvenis de Júlio Salusse. Para preservar a grande paixão platônica, transferiu a identidade para a neta da bem-amada. Além do mais era muito mais poético ligar Laura de Nova Friburgo a Laura de Noves, o grande amor platônico de Petrarca. “Freud explica”.
Após permanecer alguns anos em Nova Friburgo Júlio Salusse mudou-se para o Rio, onde dissipou sua fortuna, com bebidas caras e mulheres bonitas. Em 1917, na miséria, obrigou-se a se desfazer até mesmo de sua biblioteca, vendendo até mesmo os únicos exemplares de “Nevrose Azul” e “Sombras”. Foi advogar. Anos depois se restabeleceu financeiramente. Escreveu mais alguns raros poemas, que permaneceram inéditos.
Carlos Heitor Castelo Branco afirma que, no ano de 1929, quando morou de favor com o poeta, andou pesquisando, em velhos jornais e revistas, poemas juvenis de Salusse.
O poeta faleceu ao amanhecer de 30 de janeiro de 1948. Sua obra desapareceu. Sobraram apenas “Cisnes” e alguns poemas recuperados por Nilo Bruzzi. Mais tarde Rubens Falcão divulgou alguns. Em 1979 Carlos Heitor Castelo Branco republicou “Sombras”. Em 1994 Antonio Carlos Secchin, poeta, professor de Literatura e hoje membro da Academia Brasileira de Letras, sob o título de “OBRA POÉTICA DE JÚLIO SALUSSE”, publicou nos Anais da Biblioteca Nacional “Nevrose Azul”, o livro desaparecido, “Sombras”, do qual existe um exemplar na Biblioteca Municipal de São Paulo” e “Fitas Coloridas”, contendo outros poemas do poeta de Bom Jardim.
Como isso foi possível? Secchin encontrou num sebo um volume manuscrito reunindo toda a obra de Salusse conhecida e alguns inéditos de que se possuía notícia. O mais interessante é que “Sombras” seguia a ordem da edição príncipe e, em “Nevrose Azul” lá estava “Sonhando”, a resposta de que falara Carlos Heitor Castello Branco. Embora a letra do manuscrito não fosse de Salusse, com sua autoridade de estudioso de Literatura, Antonio Carlos Secchin atribui a mais alta fidelidade possível à obra do poeta.
Qual a moral que podemos tirar da vida e da obra de Salusse?
Num mundo onde as pessoas ficam indignadas com a simples não citação de seus nomes em todas as solenidades públicas em que compareçam; num mundo onde as pessoas se revoltam se não falam em todas as reuniões onde metam sua cara; num mundo onde há pessoas useiras e vezeiras em quebrarem com todo o qualquer cerimonial em troca de alguns minutos de fama, a vida e abra de Júlio Salusse mostram que a imortalidade e generosa com alguns e implacável com muitos.
Arredio à publicidade. Bastou-lhe apenas um soneto, um pequeno punhado de 14 versos, para conferir-lhe o galardão da eternidade.
Para comprovar a popularidade adquirida pelo poeta através de “Cisnes” cito dois autores contemporâneos do poeta. O primeiro é João Pacheco, autor de “O Realismo”, publicado pela EDITORA CULTRIX, em São Paulo, no ano de 1966. Diz textualmente, referindo-se ao soneto, à página 116: “Dou o meu testemunho pessoal: ouvi-o no interior, em minha infância e adolescência, de pessoas que ignoravam totalmente o nome do autor”. O livro de João Pacheco é encontrável em qualquer biblioteca escolar.
Outro testemunho de contemporâneo está disponível no Volume III da OBRA CRÍTICA DE NESTOR VÍTOR (Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro; Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, Curitiba, 1979) página 202 e seguintes.
Transcrevo a seguir “Cisnes”, na grafia da época, baseada na versão que o poeta deixou autógrafa pouco antes de morre.
Cisnes
A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas sem espumas!
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinaes, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas!
Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a agua se tisne,
Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sósinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne...
Júlio Salusse
A continuidade do “Cisnes”, que hoje conhecemos graças à descoberta de Antonio Carlos Secchin, é a seguinte:
SONHANDO...
Se a nossa vida é um lago de serenas
Ondulações, adormecido quando
Por ele passa alegremente o bando
Das multicores e gentis falenas;
Lago azul, onde a aurora molha as penas
Sempre que se levanta, ora banhando
Na fresca matinal as açucenas;
Meu doce amor, enquanto não morremos,
Como dois cisnes plácidos vaguemos
Sobre as águas tranquilas e azuladas,
Ouvindo ao longe o suspirar do vento
E contemplemos o azul do firmamento
Nas misteriosas noites estreladas.
Os poucos biógrafos do poeta, no geral, dizem que ele era ressentido com a popularidade adquirida com o soneto famoso.
Agripino Grieco, em suas “Memórias”, como transcreve Carlos Heitor Castelo Branco, escreveu o seguinte:
“Salusse indignava-se quando insistiam em falar-lhe no soneto “Os Cisnes”, preferia uma coruja que compusera depois e de que mais ninguém gostava. Doente de cisma, freqüentava muito as farmácias. Em suma: escreveu centenas de linhas rimadas e ficou sendo como Anvers, o autor de quatorze versos apenas” .
Carlos Heitor Castelo Branco escreve o contrário:
“(...). Jamais Salusse, como propalam, renunciou ao “Cisnes”. Ao contrário, tinha orgulho de seu trabalho; o que não gostava era de ser chamando de poeta de um só soneto, ele que tantos sonetos escreveu, tantos belos e perfeitos, dentro do rigorismo da escola parnasiana. (...)”.
Transcrevo o soneto sobre a ave noturna, respeitando a versão divulgada por Antonio Carlos Secchin, ligeiramente alterada, pois há uma outra, idênticas entre si, nas biografias escritas por Rubens Falcão e Carlos Heitor Castelo Branco. Estas, trazem as iniciais dos versos de Salusse à espanhola, minúsculas. Quando transcritos por Nilo Bruzzi, que mais tempo conviveu com o poeta, e Antonio Carlos Secchin, no manuscrito que deu à letra de forma, transcrevem à portuguesa, com iniciais maiúsculas. Esse pequeno detalhe é importantíssimo, do ponto de vista da crítica textual. Com iniciais à portuguesa é que os versos foram publicados em vida do autor. E é dessa forma que conhecemos o único manuscrito autêntico do poeta, divulgado pelo autor de “JÚLIO SALUSSE, O ÚLTIMO PETRARCA”.
A CORUJA
Ou seja a noite calma ou solto o vento ruja,
Na solitária torre uma sombra se vê:
É um pássaro funéreo, uma velha coruja,
Que a todo instante ri, mas eu não sei de quê!
Tal ave, que no agouro a todos sobrepuja,
Olha a minha janela e gargalha... Por quê?
Deseja que me oculte, ordena-me que fuja,
A fim de conjurar desgraças que prevê?
No silêncio noturno aquela voz sombria,
Aquela voz falta, que to me arrepia,
Tantas cousas me diz e não compreendo nada!
Não poderei viver velando a noite inteira:
Ou morres tu, coruja, ave triste e agoureira,
Ou morro de terror da tua gargalhada!
Na verdade, a criação preferida do autor era o soneto Eva. Conheço três versões: uma divulgada por Laudelino Freire, em 1904, na sua coletânea de “Sonetos Brsileiros”, também transcrita por Rubens Falcão; uma segunda, com alterações manuscritas de Salusse, publicada por Carlos Heitor Castelo Branco, e uma terceira, quase a mesma de Castelo Branco, divulgada por Secchin. Para transcrever, naturalmente, pela corrigida pelo próprio poeta, mas atualizando o mais possível a ortografia..
EVA
De Eva, a mulher primeira, eis a idéia que faço:
O Senhor a criou de alvura deslumbrante!
Os lábios lhe tingiu no sangue do Levante!
Visando a perfeição, poliu-a traço a traço!
Deu-lhe as formas ideais da Eleonora do Tasso
Deu-lhe a alma virginal da Beatriz do Dante...
No cabelo lhe pôs a Noite e no semblante
Dois dos mais belos Sóis que luziam no Espaço!
Ao vê-la, disse a Terra enlevada: Quem és?
E Eva assim respondeu: A tua Soberana...
E os tigres e os leões rojaram-se a seus pés!
Povoou-se de Riso e Lágrimas a Terra...
Surgira o Amor isto é, toda a Tragédia humana,
Os cânticos da Paz e as fanfarras da Guerra!
Muitos críticos literários afirmam que “Cisnes” não é trabalho original. Dão-lhe como plágio ou derivação de um soneto de Fagundes Varela, que transcrevo a seguir:
Soneto
Eu passava na vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago.
Beijava a onda num soluço mago
Das moles plumas a brilhante alvura.
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.
Vi-te, e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade,
Esquecido de mim, de Deus, do mundo!
Mas, ai! Cedo fugiste!... da soidade,
Hoje te imploro desse amor tão fundo
Uma idéia, uma queixa, uma saudade!
A autoria dos grifos no soneto de Fagundes Varela é de Rubens Falcão, que defende a autenticidade do consagrado poema do poeta de Bom Jardim, nestes termos textuais:
“Mestre Joaquim Ribeiro, tratando do assunto em “Letras e Artes”, aí por volta de 1950, não vê nisso imitação alguma, nem mesmo paráfrase; quando muito, uma espécie do que denominou – “influxo catalítico”. Para ele, “é um fato geral nos poetas reunir, muitas vezes, em seus poemas, a fonte afetiva, vindo da vida, à fonte literária, nascida de sua integração no mundo das letras. Uma, a outra não exclui”. Salusse terá lido os versos de Varela “e guardou em seu subconsciente, como um búzio, o rumor suave desse mar de lirismo”. (...)”
Júlio Salusse pode ser considerado um poeta bissexto. Em vida, como já vimos, publicou apenas dois pequenos volumes: “Nevrose Azul” (1884) e “Sombras” (1901). Havia a intenção de publicar seus inéditos, como se vê através de pesquisas iniciadas em 1929 por Carlos Heitor Castelo Branco. Alguns dos poemas recolhidos pelo biógrafo de jornais antigos reaparecerão no manuscrito publicado por Antono Carlos Secchin, além de outros que aparecem na biografia escrita por Nilo Bruzzi. “Fitas Coloridas” é o nome com que aparecem publicados por Secchin, tanto velhos poemas quanto inéditos.
Um dos últimos sonetos de Saussure é uma espécie de balanço de vida. É a confissão de um homem ao final de uma longa vida. Conheceu a fama, através de um único soneto, viveu entre os mais ricos do mundo, passou pela miséria extrema e, finalmente, recuperou o conforto material. Teve nos braços as mulheres mais desejadas da Terra e morreu solteirão, sob os cuidados de uns poucos amigos leais, como Nilo Bruzzi.
VISÃO
Vi passar num corcel a toda brida,
Nuvens de poeira erguendo pela estrada,
Um gigante, impassível como o nada,
Indiferente a tudo – à morte e à vida!
Tinha nos braços, como adormecida,
Fantástica mulher, sublime fada:
Lindos cabelos de ilusão dourada,
Pálidas faces de ilusão perdida...
Assombrado, gritei para o Gigante:
“Quem és? A loura fada é tua amante?
E o cavaleiro – O Tempo – respondeu
“Eu sou tudo e sou nada nos espaços,
E essa Deusa, que levo nos meus braços,
É a tua Mocidade, que morreu!”
Em 1947, já doente e desenganado pelos médicos, escreveu seu último soneto.
DESENCANTO
A minha vida é a planta que as procelas
Sacudiram, torcendo-lhe a raiz...
Tive ambições e a mais ardente delas
Foi a glória – e a glória não me quis!
Vi, como sombras, poéticas donzelas,
Sombras que se apagaram, como o giz...
Os sonhos meus eram batéis sem velas!
Perdi-os todos... Fui, talvez, feliz!
Sempre o destino olhei com tédio e medo,
Pois vim ao mundo muito tarde ou cedo...
Rosas plantei e a flor do mal colhi!
Ainda que pudesse, eu não quisera
Voltar à mocidade, à primavera
De um tempo que passou, mas não vivi!
Segundo cálculos de Antonio Carlos Secchin, em seus 75 anos de vida, Júlio Salusse escreveu 61 poemas, publicou dois livros de versos e uma novela, “A negra e o rei”, em 1927. Historiadores e críticos literários situam-no entre os “epígonos do parnasianismo”.
Os “epígonos do Parnasianismo” continuam até hoje. Basta ler os sonetos que por aí circulam. Difícil é fugir a essa influência, que já está impregnada no sangue dos poetas brasileiros. Até mesmo experiências de vanguarda, como o Concretismo, acabaram pagando elevado preço ao formalismo e aos lugares-comuns, conforme críticas de integrantes da Instauração Práxis, mormente Mário Carmie.
Basta a leitura de qualquer revista, jornal literário ou sítio de poemas na internet para comprovar a continuidade de um parnasianismo epigônico. E o mais das vezes exercido por poetas que desconhecem as regras mínimas da versificação.
Quanto às causas que levaram “Cisnes” a cair no gosto popular a melhor análise foi efetuada por Raimundo de Menezes, em artigo publicado em O Estado de São Paulo, pouco depois da morte do poeta, e transcrito por Carlos Heitor Castelo Branco:
“O ‘enjambement’ nos dois primeiros versos, com a repetição propositada do ‘algumas vezes’, era a prova de fogo dos recitadores. Depois o lago azul, desenhando no espaço, pela destra espalmada, era de um impressionismo lamartiniano. Os namorados deliciavam-se com a imagem; dois cisnes vogando indolentes, sobre as águas mansas do lago azul... Que direis a isto, namorados de hoje que rodais a noventa (contra os regulamentos do tráfego) pela Avenida Niemeyer? Vem nos tercetos a nota triste emocionante. A chave de ouro, eis o segredo do êxito que teve o soneto. Analisando, notam-se-lhe incorreções graves: a pobreza das rimas parelhas “certo e incerto”, a impropriedade do verbo tisnar, para indicar o luto do lago, mas que aí entrou a gancho por exigência da rima (tisne, cisne) maculam a beleza da idéia”.
Com elevado grau de pertinência Castelo Branco, de pronto, contradita a observação de Raimundo de Menezes, nestes termos textuais:
“O ‘enjambement’ usado por Salusse ‘algumas vezes – algumas vezes, mar fremente’, é que dá a beleza ao verso... Não sendo um recurso onomatopaico, cria por certo musicalidade perfeita, que só seria ‘prova de fogo’ para maus declamadores.
“Quanto à imagem ‘um lago azul, sem ondas, sem espumas’, o poeta procurou retratar uma vida serena; e quanto à impropriedade do verbo tisnar, Bastos Tigre, a quem conhecemos e admiramos, falhou redondamente como crítico literário: ‘No lago azul onde talvez a água se tisne’ a frase é de grande efeito, o emprego do vocabulário é perfeito, pois o tisnar das águas indica que o lago azul se tornou negro em virtude da morte de um dos cisnes, conseguindo Salusse usar, com todo encanto poético, a única rima existente na língua portuguesa para cisne, que não macula a beleza da idéia; ao contrário, soa para os ouvidos com a mesma serenidade com que os cisnes nadam sobre os lagos”.
Resumindo. A popularidade do “Cisnes” e não de “Os Cisnes”, como aparece por aí, se deve ao emprego lugares-comuns, de imagens comuns. É a filosofia do senso-comum.
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