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O Hino da República Rio-Grandense Como Valor Universal

Paulo Monteiro

Acompanhando a "assembléia" do CPRS/Sindicato, na Praça da Matriz, em Porto Alegre, na tarde do dia 23 de março de 2008, onde, como sempre, apenas pessoas previamente escolhidas falavam, fui surpreendido pelo discurso empolgado de um orador. Usou o Hino da República Rio-Grandense, oficializado como Hino do Estado do Rio Grande do Sul, durante da ditadura castilhista-borgista e transformado em símbolo verbal do que possa alguém já ter escrito de mais belo na História da Humanidade, para justificar os brios dos professores e funcionários ali reunidos. Poucos dias depois, contemplei, ainda mais estupefato, um desfile de pequenos camponeses e agricultores sem terras, diante do Palácio Piratini, cantando a plenos pulmões o hino guerreiros dos estancieiros escravistas de 1835. Para mim a ignorância de homens e mulheres "politizados" do "Estado mais politizado do Brasil" raia à imbecilidade.
Cabe salientar que pelo menos três versões diferentes do referido hino eram cantadas durante a Revolução Farroupilha. Foram reunidas por Apolinário Porto Alegre, no livro Cancioneiro da Revolução de 1835, publicado pela primeira vez durante o centenário da Revolução de 1835, pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, e republicado em 1981, pela Companhia União de Seguros Gerais, na Estante Rio-Grandense União de Seguros - ERUS -, ao lado de outras obras indispensáveis para o entendimento da história e da cultura de nosso Estado.
A mais conhecida daquelas versões, oficializada por lei, é de autoria de Francisco Pinto da Fontoura. É cantada incompleta, pois se constitui de quatro estrofes de quatro versos decassílabos, (coplas, como se dizia à época), a Segunda servindo de estribilho. Ei-la, como consta à página 35 da edição ERUS:
HINO RIO GRANDENSE

Estribilho

Mostremos valor, constância,
Neta ímpia e injusta guerra,
Sirvam as nossas façanhas
De modelo a toda a terra.

Coplas

Como a aurora precursora
Do farol da divindade,
Foi o vinte de Setembro
Precursor da Liberdade.

Entre nós reviva Atenas
Para assombro dos tiranos:
Sejamos gregos na glória
E na virtude romanos.

Mas não basta p'ra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo:
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo.
Como vimos há diferenças formais entre a letra original e a que é cantada atualmente. A estrofe que não é cantada, atualmente, foi expurgada durante o regime discricionário implantado no país a 1º de abril de 1964. A referência aos “tiranos” gregos era imperdoável para os “gorilas”. Isso, do ponto de vista do conteúdo, é fundamental, pois omite até a conclamação para que se faça reviver no Estado a "democracia grego-romana". Gregos e romanos formavam sociedades escravistas, discriminatórias das mulheres e de outros segmentos "marginais". A "virtude" dos romanos, com seus imperadores sexualmente depravados e sanguinários, pouco tem que mereça "reviver" no século em vivemos...
A "virtude" dos romanos, especialmente dos seus governantes, era de tal maneira que um dos imperadores, Calígula, chegou a nomear seu próprio cavalo, Incitatus, senador; outro, Nero, incendiou Roma com o objetivo de cantá-la ardendo em chamas. Diante da indignação popular lançou a culpa sobre os cristãos, que foram queimados vivos ou lançados, também vivos, às feras. Esse mesmo Nero, que casou duas vezes, uma vestido de noivo e outra de noiva, era um degenerado que mandou abrir o ventre da própria mãe para ver o lugar onde havia sido gerado.
O Hino da República Rio-Grandense foi escrito durante a Revolução e, por isso, no estribilho, usa o imperativo "Mostremos valor ("Qualidade de quem tem força; valentia; coragem, esforço; mérito; preço; préstimo; papel representativo de dinheiro; valia; estimação; validade; talento; (...)", segundo o Dicionário Aurélio), constância ("Qualidade de constante; perseverança; persistência; vigência; coragem; firmeza de ânimo", idem),/ Nesta ímpia ("Que, ou quem não tem piedade; desumano; cruel", ibidem), e injusta (Falta de justiça; iníqua; contrária à justiça; infundada", conforme o mesmo Dicionário) guerra (a Revolução Farroupilha).
Como vemos, o que hoje cantamos como Hino do Estado do Rio Grande do Sul foi escrito com a finalidade específica de estimular o Exército da República Rio-Grandense e a população sob seu domínio à resistência contra o Império Brasileiro, defendendo os princípios preconizados pelos revolucionários. Portanto, é um poema datado, destinado a uma finalidade específica. Hoje, invocado fora do Exército Farroupilha e do contexto da revolução a que servia, é um absurdo histórico e uma excrescência política.
Aquele orador - e tantos outros que andam por aí empregando o mesmo mote - protestava contra o governo que fechou as portas do Palácio Piratini, comparado aos "tiranos" contra os quais os farroupilhas combatiam e conclamava a todos para que continuassem lutando pela mesma "liberdade" pelas quais os farroupilhas foram às armas. Outro absurdo histórico e outra excrescência política!
Quais eram os tiranos contra os quais lutavam os farroupilhas? Os mesmos inimigos de "colorados”, uruguaios, e "federais", argentinos. Os farroupilhas gaúchos, como todo e qualquer representante do feudalismo, semifeudalismo ou pré-capitalismo, defendiam a descentralização. Sua palavra de ordem poderia ser esta: "Todo o poder aos estancieiros, senhores feudais, semifeudais ou pré-capitalistas". Aqueles que se opunham aos interesses dos coronéis e generais da Campanha eram "tiranos".
Há um livro de Moacyr Flores (Modelo Político dos Farrapos, 4ª Edição, Mercado Aberto, 1996, Porto Alegre), onde esse assunto é discutido, e transcreve em anexo (pp.185 a 208), o projeto de Constituição da República Rio-Grandense, apresentado em 1843. O mesmo historiador desenvolve o tema em outra obra mais recente (República Rio-Grandense - Realidade e Utopia, 1ª edição, EDIPUCRS, 2002, Porto Alegre). O autor do Dicionário de História do Brasil (EDIPUCRS) mostra que o conceito de liberdade preconizado pelos farroupilhas é muito diferente do que defendemos nos dias de hoje.
O artigo 1º daquele projeto rezava que "A República do Rio Grande é a associação política de todos os cidadãos rio-grandenses. E o artigo 6º definia quais eram esses "cidadãos": "Todos os homens livres nascidos no território da República; todos os brasileiros, que habitavam no território da República desde o memorável dia 20 de setembro de 1835, e têm prestado serviços à causa da revolução, ou da independência, com intenção de pertencer à nação rio-grandense; todos os brasileiros residentes no território da República na época em que se proclamou a independência, que aderiram a esta, expressa ou tacitamente, pela continuação de sua residência, bem como todos os outros brasileiros, que atualmente estão empregados no serviço civil e militar da República; os filhos de pai ou mãe, natural do país, nascidos fora do Estado, desde o momento em que vierem estabelecer nele seu domicílio; os estrangeiros, pais de cidadãos naturais da República e os casados com filha do país, que professando alguma ciência, arte ou indústria, ou possuindo algum capital em giro, ou bens de raiz, se achem residindo no Estado ao tempo de jurar-se esta Constituição; os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja sua religião. A lei determinará as qualidades precisas para se obter carta de naturalização".
Somente os "cidadãos" podiam votar. Estudando a "constituição farroupilha" vemos que as mulheres; os menores de 21 anos, "em cujo número se não compreendiam os casados e oficiais militares, que fossem maiores de 18 anos, os bacharéis formados e os clérigos de ordens sacras; os filhos de família que vivessem na companhia dos pais, menos se servissem em ofícios públicos; os criados de servir, em cuja classe não entravam os guarda-livros e primeiros caixeiros das casas de comércio e os administradores das fazendas rurais e fábricas; os religiosos e quaisquer que vivessem em comunidade clausular; os soldados, anspensadas, e cabos de exército de linha; os analfabetos; os que não tivessem renda anual de cem mil réis com bens de raiz, comércio e empregos, não podiam votar para o Senado vitalício e correspondente a metade dos membros da Câmara dos Deputados".
Os "cidadãos" que não tivessem uma renda anual de duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego; os libertos e os criminosos pronunciados em qualquer processo criminal, também não podiam votar para Deputado. Para este cargo era necessário, além de preencher os requisitos anteriores, precisava ser rio-grandense nato, maior de 25 anos, com rendas superiores a trezentos mil réis por ano e católico apostólico romano.
Como se vê, a grande maioria da população residente na República Rio-Grandense: mulheres, escravos, libertos, pobres e menores de 21 anos, entre outros não tinham direito à cidadania. Esse tipo de liberdade não nos interessa mais. Portanto, invocar o Hino Rio-Grandense como modelo da liberdade e da justiça que todos nós desejamos só podem fazê-lo energúmenos e mentecaptos descerebrados, desconhecedores da História e incapazes de interpretar a letra daquele hino à luz dos tempos atuais. Melhor seria recolher o Hino da República Rio-Grandense aos escaninhos de sua época e escolher um hino que fale de um Estado do Rio Grande do Sul real, com homens e mulheres de verdade. Afinal, como já dizia o "velho" Camões, "mudam-se os tempos, mudam-se as virtudes". Infelizmente, aquele orador deve receber vencimentos muito superiores ao que merece e os pequenos camponeses e sem terras, o pedaço de chão correspondente ao seu nível de consciência de classe.

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domingo, março 1, 2009 - 23:09

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