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OS GÉMEOS - 12

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(continuação)

 

Pediu-lhe para fazerem uma paragem no primeiro posto de abastecimento de combustível que surgisse em caminho, mas a sua expressão devia parecer tão atormentada que impressionou Céline ao ponto de ela acelerar a velocidade do carro, começar a enervar--se com o trânsito e, alguns quilómetros adiante, optar de súbito por estacionar na berma da estrada.
                 
Por dois ou três minutos ficaram ambos quietos e mudos, como se estivessem à espera de que passasse um momento de imperscrutável perigo, carregados de culpa, ignorando como obter alívio. Ela, tronco hirto, mãos firmadas no volante, cabeça ligeiramente inclinada para a frente, à espera da fatalidade, ele, recostado no assento, um braço cruzado sobre o peito o outro dobrado e a mão a segurar o queixo, mirando-a de soslaio, mortificando-se com um pensamento que bem poderia redundar em infelicidade: — É agora... Tem de ser agora! 

Descruzou os braços e isso foi o suficiente para atenuar a tensão em Céline, que se recostou também, cerrando os olhos, como se precisasse de descansar um pouco. Era mesmo linda! Talvez ainda mais porque aflita com a verdade, pressupostamente impronunciável, mas já dita: “— Era você... James.”

— Claro que era eu, Céline. — corroborou James, ansioso por beijar com adoração a veiazinha latejante na fronte dela, mas tolhido pela impreterível responsabilidade de lhe contar primeiro quem era, desde que se conhecia, como era, suas particulares virtudes, seus defeitos e seus interesses, e o que era, porquê e com quem.
                                                                                                                                                
Longa história, que só concluiu já noite, na cama de Céline, incontido que se mostrou a abraçá-la e a sufocá-la de beijos quase logo no princípio da narração, porque depois de confessar “— Claro que era eu, Céline”, lhe jurou que começara aí um amor apaixonado por ela e, vendo que Céline se não sobressaltara nem surpreendera, libertou por momentos a loucura do seu desejo, contagiando-a, e não fora o local inapropriado teria sido mesmo ali que se amariam, parando então para se refazerem do devaneio, restabelecendo o decoro, e prosseguindo depois a viagem, com vagarosidade e antevista deleitação, e a biografia dele.                      
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 
Pobre Marchinot! Fora roubado de 200 milhões, perdendo o valioso investimento de sonhos e labor honesto que durante largos anos acumulara numa carreira ainda promissora, afundada por James em questão de minutos, e agora ficava também sem a mulher, furtada pelo mesmo homem, sua não revelada sombra persecutória.                    
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

Encontrou um ambiente esquisitamente tenso de frieza na pequena célula ideológica a que pertencia. Porque ninguém autorizara o seu regresso inusitado? Porque o seu trabalho no exterior não estivesse a corresponder ao que as estruturas superiores esperavam dele? Porque o caso do assalto ainda estava longe de ser arquivado e haveria o perigo de a qualquer momento o deslindarem e ele ser capturado?                

Eram razões de monta, mas discutíveis. Afinal, pusera-lhes na mão, de uma assentada, um elevado poder financeiro, alavanca para a multiplicação de industriosas acções, até no campo fecundo da solidariedade social.

É certo que usara pequenos detalhes não convencionais na sua actuação, mas, de qualquer modo, o feito merecia outra consideração pessoal, que com muita dureza lhe estava a ser negada. Mudara ele, já não se contentando com o tratamento de tolerância contrariada que antes lhe era prodigalizado? Não!

Dias depois de ter chegado à conclusão que a sobeja reserva com que estava a ser recebido poderia ter fundamentos sensíveis mas era inquietante, mesmo dolorosa, porque inexplicada e ingrata, encontrou Louise, por casualidade.

O facto de ela se ter limitado a fazer-lhe um aceno com a mão, e o seu sorriso de circunstância, a indiciarem que não tencionava falar-lhe, actuou como a gota de irritação que faz transbordar a impaciência. Dirigiu-se-lhe:

— Louise, o que é que está mal comigo? — perguntou ele, irresoluto, logo emendando: — Deixa lá. É tolice minha... Como tens passado? Bem?

— Bem, obrigada. E tu? — formalismo de resposta, que não jogava com o trejeito de constrangimento visível no seu comportamento esquivo.

— Tenho estado para fora...

— É, apercebi-me... Tudo como dantes, entre nós?

— Que queres dizer com isso? Eu é que pergunto...

— Vejo que ainda não sabes... Abandonei a luta.

— O quê?

— É... deixei-vos. Há mais de um ano! E ainda não me arrependi. Às vezes tenho saudades de alguns companheiros, por certos bons momentos que me deram... Mas também foram muito poucos. Estás admirado?

— Bastante...

— Enchi-me. Cada vez me desolavam mais. De mim, queriam era dormir comigo. Desculpa lá o desabafo, mas ultimamente era o que mais me parecia.

— Não!

— É verdade! Cheguei a pensar que gostariam que me vendesse para angariar fundos. Que luta se pode travar, se não há nunca um tostão para nada?

— Isso não pode ser verdade, Louise. A Organização tem receitas.

— Julgas tu, que não tens estado por cá. Olha, pode ter-te constado isso, mas a verdade estou eu a dizer-ta. Propala-se sempre muita coisa... Como o caso do militante que deu um golpe de milhões, mas ficou com eles, mandando a ideologia bugiar. Mas é tudo inventado para nos manterem animados no meio daquela pobreza franciscana. Acredita.

— Não pode ser...
                                                                                                    
— Pois abre os olhos, e vê... Estás com bom aspecto, Ryswick. Se precisares de mim, aparece... Não sei por que razão nunca me apaixonei por ti, mas tu sabes que gosto de estar contigo.

Céline foi da mesma opinião. Para ela, a política era o grande, e intranquilizador, defeito de James. Mesmo, o único obstáculo, importante, à paixão deles. Rival até na arte, feminina, de confundir os homens, de com astúcia os alimentar de presunção — narcisismo humanitário, traduziu Jimmy, pensativamente. Não seria de espantar que alguém estivesse a trair os ideais. E arriscara-se ele!                   

— Roubaste os bolos, e eles comeram-nos. Mas, meu amor, os homens são todos iguais!... Não. Não vamos discutir. Apesar de ter ciúmes de Louise, pois em tempos conheci bem essa descarada, acho que deves seguir o seu conselho: “Abre os olhos...” — ironizou Céline.

A notória ingratidão que o acolhera, a desconfiança gerada por Louise, quase três anos de distanciamento da acção local, e, em grande medida, a possessividade com que a paixão por Céline se impunha agora na sua vida, com elevado preço, resultaram na indignação ideológica acicatada por desmoralizadoras congeminações práticas: "Arriscara o pescoço, e ainda o esbulhavam do mínimo de merecida consideração..."

Sentiu que os anos de ouro do seu idealismo romântico estavam imprevistamente a chegar ao fim, e, bem surpreendido consigo próprio, resolveu encerrar o capítulo, memorável, do seu militantismo juvenil.

Auto proscrito, sem as parcas ajudas de custo que remuneravam as suas crónicas de repórter ambulante e que não tencionava mais fabricar, incapaz de admitir sustentar-se a expensas de Céline — melhor dizendo, de Marchinot, ainda enganado e não suspicaz da iminente separação que ela pediria — e muito menos aventando a hipótese de recorrer a William, não vacilou em estabelecer-se por conta própria. No ramo em que tinha provado ser especialista: um mês depois, sob aturado trabalho de reverificação, e com as adaptações necessárias, “visitava”, quase de seguida, as agências bancárias que havia estudado como excelentes alternativas ao INTERCONTINENTAL, e com êxito e sorte, embora com substancial menor notoriedade pública, dispensável de todo, amealhava um bom pecúlio.

Depois, em temporada deliciosa, amorenou-se com Céline nas praias da Riviera italiana, onde fixou residência e montou uma insuspeita actividade de International Trading.

— É bom viver!... Amar a vida... Desde que um homem tenha a paixão de uma mulher, tudo o mais ele pode criar por si... — Foi a frase que adoptou desde então para, com polidez, e com uma pitada de mistério, se eximir a conversas sobre certo tempo do seu passado, ou para abonar o seu silêncio em matéria de comentários políticos.

 

(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

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sexta-feira, abril 12, 2013 - 14:43

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