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OS GÉMEOS - 14

.

 

(continuação)

 

Um ano depois de se ter fixado no arrozal, William era olhado amistosamente mas considerado um fracasso como empresário, que toda a gente tinha suposto ele vir a ser, apesar de ele nunca ter afirmado essa intenção.

Dois anos depois já não o viam só com estranheza. O facto de pela segunda vez não ter mandado trabalhar a enorme lezíria de que era proprietário, passou a ser cochichado como desperdício. Pagava-lhes sempre sem regatear os mantimentos e os pequenos serviços prestados, mas as pessoas pareciam entender que ele teria a obrigação de lhes produzir o cereal, pesasse embora a má qualidade daquele que até então era obtido. Sem colheita local, há vários anos já, a comunidade continuava a empobrecer. E contudo as instalações de William, isoladas onde ninguém quereria viver, iam aumentando.

Sem querer tornou-se polémico entre aquela gente. Alguns apodavam-no de latifundiário absentista, outros defendiam-no na ideia de que as experiências, que ele estava a realizar com paciência, dariam os seus frutos mais dia, menos dia. Como, apesar de tudo moravam longe dele, a sua curiosidade não se tornava incomodativa.

Soube disso numa noite de indiscrição de Zirá, apreensiva com a anunciada visita do marido, o Zeca, que vinha a férias na terra. Uma coisa não tinha a ver com a outra, para William, mas para ela sim. O que a preocupava não era a gostosa infidelidade, nem a maledicência do povo, que ela sempre fora muito cuidadosa, e se necessário até Amélia testemunharia a sua irrepreensível conduta. Era antes a guelra do homem, que era avarento e lá fora trabalhava feito doido, na construção civil, e sempre sonhara ter um pedaço da lezíria. Agora, quando visse o estado de abandono em que aquilo continuava, era bem capaz de se atiçar e juntar com os que não estavam a gostar nada da situação, criando problemas a William. Ele que pensasse...

William não receava o feitio belicoso, ou a ambição, de Zeca, mas as férias do marido de Zirá eram uma ocasião lamentável... Apenas porque se quisesse estar com ela, ou até mesmo com Amélia, estaria impedido... E ele gostava da cama de Zirá, sobretudo. Era uma mulher cariciosa, macia, com a tentação na pele, um desejo vivo e estrelas nos olhos, e aroma de feno húmido.

De todo em todo discutiu com Louise a vertente não amorosa do caso. Mesmo dando-lhe o cariz de boato, era bom averiguar o que se propalava em Lameira Grande. As suas investigações laboratoriais mostravam sinais promissores, mas, face às possibilidades em jogo, reconhecia que ainda pouco tinha avançado. Já obtivera alguns híbridos interessantes, estava lançado num estudo profundo de citogenética, chamava-o a biologia molecular, e a par disso tudo queria absoluta tranquilidade de espírito. Não lhe falou nos cornos que ele punha ao Zeca, que isso era outra história.

O marido de Zirá era na verdade como ela o pintara. A atirar ao façanhudo, corpulento, com a humildade a transpirar da camisa e das mãos mas os olhos secos de inveja e o rosto endurecido pela determinação de porta-voz do descontentamento de Lameira Grande, mais provavelmente do autarca falhado, a quem o ingrato William nunca retribuíra as boas-vindas àquela terra. Entrou-lhe pelo laboratório dentro sem licença nem cerimónia e botou logo discurso:

— Vim falar com você, porque como toda a gente sabe uma parte das terras do arrozal era do meu avô, que era homem honrado e trabalhador e teve de as vender para sustentar mulher e filhos. Quanto é que quer por elas?

Bonjour monsieur! Est-ce que je peux vous servir? — ripostou William, com ar sério e em francês, para rebater o descaramento de Zeca. Bastara-lhe um olhar para concluir que a animosidade latente no homem tinha de ser controlada com supina condescendência, muito embora já tivesse admitido que alguma coisa haveria que ceder para que a paz do Projecto Arroz Gigante não fosse perturbada.

— Bonjú, messieu Dr. Will... Acho que me percebeu, bem... Quanto quer por elas?

— Ah! Você é?... — respondeu William, levantando-se então, com expressão de aborrecimento e forçada polidez, exibindo uns bons dois palmos mais de altura do que Zeca, pousando os óculos ao lado do microscópio e começando a desapertar a bata e a interrogar Louise que acabara de entrar, inquisitiva, admirada com a inesperada aparição do desconhecido sujeito: — Mameselle Louise, qu´est-ce qu´il se passe ici? Ce monsieur vous a dit qu´il voulait parler avec moi? Non!...

— Ah non, Dr. William... Non, mais non!... — correspondeu-lhe Louise, percebendo o objectivo. E para Zeca: — Vous, monsieur, qu´est-ce que vous voulez, s´il vous plaît?...

— Sou o Zeca... da Zirá... podem falar francês, que eu percebo.

— Ah! Você é o Sr. José!... Sô Jão disse-me que você vinha... De férias, não é?... Muito prazer. Tout est bien mameselle Louise. Merci bien. Allez... Allez. Ó Zeca, você podia ter-me mandado prevenir, que eu estaria preparado para o receber melhor nestas minhas modestas instalações. É raro vir cá alguém visitar-me, o que é uma pena, porque são sempre oportunidades que aproveito para me distrair um pouco a tagarelar ao mesmo tempo que posso fazer propaganda do meu trabalho. Mas o que é que estou eu a dizer! Você é da casa... devo tantos favores à sua gentilíssima cunhada, e também à sua simpática esposa, que até mal pareceria recebê-lo aqui com cerimónia. Venha cá comigo dar uma volta por aí. Vamos dar uma olhadela às estufas e ao resto dos laboratórios. Sinta-se à vontade, Zeca. Você é da casa, homem!...

Zeca fora assim remetido à sua identidade de pacóvio e perdera todo o ímpeto, cortado rente pela atitude snobe e pela pesporrente fala de William. Descoroçoado, não pôde fazer mais do que muito cauteloso perseguir os passos da desenvoltura de William, acanhado por seguramente não saber como comportar-se ora no meio de um dos mirabolantes laboratórios ora numa das modelares estufas, e já ali existiam pelo menos três, ora estupefacto ora assumindo sabida e fingida compreensão ante a catadupa de explicações técnicas que lhe era despejada em cima da sua ignorância, e sempre a remoer o ónus da derrota das suas intenções, sobre as quais William pusera um pedra irremovível ao cobrir de esquecimento, como se nunca houvessem sido arremessadas, as suas quase insolentes palavras com que chegara ali e tentara atingi-lo.

Por agora, tinha-o na palma da mão, sabia William. Mas isso não era divertido. Zeca era um pobre diabo e, a maioria das vezes, os pobres diabos, por serem simplórios e menos hipócritas, são os que mais inconvenientes se tornam. Além disso, voltava ele a considerar, havia em particular a Zirá... e a cunhada...

 


 
(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

.
 

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quarta-feira, abril 17, 2013 - 12:04

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Nuno Lago

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