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OS GÉMEOS - 26

.

 

(continuação)

 

Conseguiu pará-lo já no limiar da saída, com um grito que atingiu um tom esganiçado pela ânsia de fazer estacar William: — Pare, por favor, William. Calma!... Já está tudo controlado. Quando dei pelo sucedido recolhi os quatro murganhos que andavam à solta. Confesso que tenho alguma relutância em chamar ratitos àqueles espécimes estranhos... É bem menos impressionante trabalhar com seres vegetais! Agora já lá não vai fazer nada, porque o que eu notei fora do lugar recoloquei no sítio. Não houve estragos. Não fique preocupado.

— Obrigado, Hana. Hoje estão a acontecer coisas esquisitas! Prefiro acreditar que não temos por aí um assaltante a rondar-nos. Mesmo assim, é melhor não se despir... — brincou William, já refeito do alvoroço.

— Isso é que não...  Se há algum intruso, e entrar por aí de surpresa, arrisca-se a ficar atónito perante a minha desnudada figura, o que nos dará alguma vantagem. E por outro lado você vai falar-me de coisas fictícias, o que aconselha a que eu me porte com inteira descontracção. Ora diga, então.

— Pois sim. Hana... Por muito que custe admitir a realidade, não somos mais do que o aparente topo da cadeia alimentar que se inicia com as plantas que, usando a energia solar, a partir das moléculas de carbono e da água sintetizam para seu próprio consumo outras moléculas mais complexas. Essa cadeia segue depois com os animais que se alimentam das plantas para obterem a energia e as substâncias que lhes são necessárias para viverem, e depois com os animais que se alimentam deles, e assim sucessivamente, incluídos os seres humanos no vértice, aparente, volto a frisar, da escala. Quer dizer, podemos resumir tudo a um encadeamento de organismos a consumirem outros organismos. Concorda comigo?

— En... sim...

— “Sim... mas...”, não é? Bem, já que estou a “hipoteticar” também lhe digo que é um exercício mental estimulante adoptar a Hipótese de Gaia. Lovelock considera que a Terra é “um ser vivo regulador e criador das condições materiais da sua própria existência e da matéria viva que sobre ela habita”. E, posso ter o desplante de ir mais longe e concluir: Pois é... A Terra é o organismo que está no extremo da cadeia alimentar, e nos está a consumir a nós... Sob que forma o faz, que tipo de energia vital absorve de nós para a sua sobrevivência? Falta saber, claro. E nós, tão inteligentes, poderemos subtrair-nos a esse jugo?

— Não consigo acompanhar o seu raciocínio simplista, mesmo como alusão, ao ponto de vislumbrar em que é que as suas experiências poderão ajudar-nos a descobrir isso...

— Lá chegaremos. Passemos agora à questão “sexo”. Como sabe, nos nossos dias ainda há pontos do globo onde subsistem povos com culturas matriarcais.

— Mas é porque aí o género masculino é mais escasso.

— Contudo, e isso é que me importa, tem-se podido constatar que nessas organizações sociais a actividade sexual, porque ato assegurador da sobrevivência da espécie, é ritualizada a um nível de excelência natural que no resto do mundo só é comparável com etiologias de taras psicológicas ou fisiológicas, ou com comportamentos de seres irracionais. Exceptuando lá, o homem dito civilizado, mesmo onde isto apenas significa usar uma tanga e ter tido contacto com um colonizador, conceptualiza e sacraliza a relação sexual num sentido imperfeito. Estamos a ser muito pretensiosos, tentando sobrepor os nossos princípios, por suposto morigeradores segundo as conveniências dominantes, ao processo espontâneo, e basilar, da selecção natural, o qual se resume a ser uma luta incansável entre os organismos, para alcançarem o maior sucesso reprodutor. Com civilidade, e envergonhados, fechamos os olhos perante essa realidade crua. E entretanto, para agravar, porque somos racionais, vamos inventando cada vez melhores formas de destruir a vida no planeta. Estou a exprimir-me com radicalismo? Não tanto como quem afirma que a Terra começou sem o Homem e vai acabar sem ele. Mesmo que antes do fim emigremos para o Universo, ou encontremos formas harmoniosas de ajudar em atitude positiva a lei natural.

A ressaca ia exaurindo o que restava de Hana em termos de resistência física, após tão activa noitada. Cumprira a sua anunciada intenção e, despercebidamente para William, descalçara-se e retirara a pouca roupa que antes fora envergar, e que era apenas o largo vestido de sarja azulada, género cabaia, que até havia conseguido dar-lhe aspecto recatado. Acomodara-se relaxada num dos enormes almofadões de napa, fofos e disformes, que William reservava de costume para se instalar nos seus momentos de modorra, e ia-o escutando, mais embevecida no prazer de o ouvir fantasiar sobre coisas reais na aparência, a que só o colaborar da imaginação emprestava verosimilhança, do que disposta a controverter as ideias abordadas. E a peroração de William como que foi surtindo sobre ela efeitos sonolentos. 

A certa altura William reparou que estava a falar sozinho. Perguntou-se se os seus argumentos teriam logrado introduzir-se na sonolência dela e imiscuir-se com os seus inescrutáveis convencimentos ao nível do inconsciente.

Ajoelhou-se ao pé do almofadão onde Hana chonava regalada e ficou assim a contemplá-la, acariciando-lhe o corpo com o olhar, sorrindo intimamente encantado com um sinalzinho aqui na curva do ombro, a sublimidade suave no arredondado da anca, a mornidão que exalava do seu corpo, o refulgir do negro cabelo, ali umas rugas a despontarem nas comissuras acentuadas da sua boca pequena, e aqui a leve penugem no antebraço, a turgidez dos seios miúdos, e ali as linhas bem marcadas nas palmas das mãos esguias e soltas de tensão. Querida e pura Hana! Confiante e tão livre!

Também ele se sentia estafado, mas não conseguiria adormecer sem antes inspeccionar os viveiros. Foi até lá e percorreu gaiola por gaiola, recipiente por recipiente, atento, encontrando tudo normal. Se alguém se aventurara por abuso a uma visita, em pouco devia ter tocado. E era provável que tivesse sido o nervosismo com que assustado tivera de movimentar-se entre alguns dos cativeiros que continham exemplares aberrantes, que originara o descuido involuntário e a momentânea escapadela de alguns dos pequenos roedores.

Quando regressou às suas dependências, cerca de meia hora depois, Hana já se fora embora, deixando como único vestígio a forma amachucada do sofá onde tinha permanecido alapada durante o entretém soliloquial dele. Lembrou-se então de que no à-vontade com que por duas vezes na mesma noite ela se despira por completo ante si, podia estar implícita uma oferta, e o consequente apelo, de jogos amorosos... Enquanto a tivera ao alcance, despojada de qualquer espécie de retraimento, a ele só excitara um sentimento de afectuosa apreciação da sua exótica beleza. Nada de apetites carnais. Agora era tarde...

O seu último pensamento antes de cair em sono profundo foi dirigido a Zirá. Desejou tê-la com ele ali na cama, para lhe acudir com carícias e fazer-lhe esquecer o remorso da sua infidelidade, que era decerto o que a magoava a respeito do trágico passamento do seu tão enganado quanto insuportável marido.
 

 

(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

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quarta-feira, maio 15, 2013 - 12:10

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Nuno Lago

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