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Precisamos Acertar Contas com Nosso Passado

Paulo Domingos da Silva Monteiro, 51 anos, é passo-fundense de nascimento, mais precisamente natural do distrito de Santo Antão, filho de Pedro Mendes Monteiro e Leocrécia da Silva Monteiro. Mesmo tendo apenas concluído o ensino médio é considerado um dos mais influentes literatos e críticos literários passo-fundenses da atualidade. Profundamente apaixonado por sua cidade, o marido de Maria Nelci Machado Monteiro e pai de Cris Daniele, Nadejda Aparecida, Rozalia Natália, Paula Tatsuia e Sara Adalía cedo se aprofundou no estudo de suas origens e se envolveu nas suas lutas políticas, tendo sido um dos fundadores e presidente, por duas vezes da União das Associações de Moradores de Passo Fundo (UAMPAF). Por todos considerado homem de vasta e profunda cultura, principalmente no que diz respeito à literatura e à história local, seus estudos o autorizam como poucos a avaliar o desenvolvimento, a situação e os rumos de Passo Fundo, na ocasião em que o município completa seus 148 anos.
Por Rodrigo Pimentel
Da Redação
Somando: Como surgiu o seu interesse pela literatura e pela história?
Paulo Monteiro: Meu avô materno, Álvaro Soares da Silva, era repentista, assim como minha bisavó materna, porque no século XIX eram muito comuns os autores de décimas, uma espécie de "historiadores em verso", de maneira que eu fui criado em um ambiente familiar propício à literatura. Comecei a escrever muito cedo, aos treze anos, publicando poemas no jornal "Fagundes em Foco", do então Grupo Escolar Joaquim Fagundes dos Reis, onde eu estudei. E recordo que uma vez escrevi um poema sobre Passo Fundo em que fechava uma rima com a palavra "charrua" e a minha professora fez uma bela revisão e me disse que charruas não eram índios da região de Passo Fundo, mas da Fronteira. Isso me levou a estudar a história da nossa cidade. Depois disso, minha primeira leitura foi exatamente "Passo Fundo das Missões", de Jorge Edeth Cafruni, uma obra que merece e exige uma reedição imediata. Também fui ler poetas locais, como Antônio Donin, Gomercindo dos Reis... e daí não parei mais.
Somando: Então você é praticamente um autodidata?
Paulo Monteiro: Os maiores estudiosos da literatura na atualidade fazem uma distinção entre dois tipos de intelectuais: os intelectuais e os intelectuais públicos. Eu, tranqüilamente e com muito orgulho, me coloco entre os intelectuais públicos. Até porque como um escritor fundamentalmente de imprensa, eu escrevo para o público, para as pessoas que Lêem revistas e jornais. Nem todos lêem livros, mas todos lêem jornais e revistas.
Somando: Como você, que é membro da Academia Passo-Fundense de Letras, vê a produção literária e historiográfica local?
Paulo Monteiro: Muito rica, mas pouco divulgada. Nós, da Academia, temos tentado dar vazão a esta produção através da revista "Água da Fonte", porque a história da literatura mostra que, desde o século XIX, só sobreviveram as literaturas divulgadas em periódicos. O Romantismo, no Brasil, só surge com a revista "Niterói" e, a partir do Romantismo, começa a surgir uma infinidade de periódicos literários. O próprio Modernismo se consolida com publicações literárias como as revistas "Festa" e "Klaxon", por exemplo. Por isso acredito que se não tivermos periódicos literários não vamos ter divulgação nem da literatura, nem da historiografia passo-fundense, que é bastante rica, principalmente nos últimos tempos. Só que como não há divulgação não se encontra ressonância fora do âmbito regional. Basta ver o quanto as tiragens são limitadas. E para uma divulgação eficiente a melhor receita ainda é recorrer aos jornais e revistas locais, porque as pessoas, até pela questão do custo, lêem muito poucos livros, principalmente de autores locais. Mas quase todos lêem jornais e revistas. Infelizmente, o público ainda prefere consumir subliteratura, especialmente "best-sellers", aquilo que está na mídia ou que é usado como base para séries de televisão.
O escritor local, seja poeta, romancista, contista, historiador, não encontra espaço, mercado para sua produção. Ou seja, mesmo que o autor consiga publicar, ele encontra um sério problema para fazer sua obra circular, porque não adianta a pessoa imprimir um livro para distribuir entre seus amigos. Quem escreve, escreve principalmente para a posteridade. É justo dizer que a nossa realidade, o mundo atual, vai sobreviver pelos escritores da atualidade e estes só serão mais ou menos valorizados no futuro, até porque seus contemporâneos não têm o distanciamento e isenção necessários para julgar corretamente o seu valor.
Somando: Já que estamos falando da relação do presente com o futuro, vamos falar também da relação do presente com o passado. Você também se arrisca a navegar nas águas da História...
Paulo Monteiro: É verdade. Além das preocupações literárias - e eu sou apaixonado tanto pela poesia, quanto pela crônica, pelo romance, pelo conto... na verdade eu sou um leitor compulsivo, daqueles que lê até bula de remédio -, tenho uma grande preocupação com a história local, principalmente com a Revolução Federalista de 1893, que, apesar de ter sido um acontecimento extremamente importante para rodo o Rio grande, especialmente para nossa região, me parece Ter sido esquecida até algum tempo atrás. Antonino Xavier e Oliveira, que foi contemporâneo daqueles fatos, diz, em certa altura de sua obra, que Passo Fundo teve mais de três mil vítimas no conflito e que os campos foram despovoados, desertos de gado, que a economia estava desarticulada e muita gente saiu fugida daqui para o Paraná, Santa Catarina e mesmo para o Uruguai, como foi o caso da família de Joaquim Fagundes dos Reis. Então essa revolução representou um momento muito grave da nossa história e que foi propositadamente esquecido por muito tempo, tanto por vencedores quanto por vencidos, uns pela vergonha do que fizeram para ganhar a guerra, outros pela vergonha da derrota ou por medo da perseguição. E isso marcou a história da nossa cidade até os dias de hoje.
Somando: De que maneira?
Paulo Monteiro: Principalmente através da política que, entre nós, sempre foi violenta. Passo Fundo é uma cidade que foi fundada por um militar, o cabo Neves . A sua emancipação foi um arranjo político articulado por outro militar, o capitão Joaquim Fagundes dos Reis . Há, inclusive, documentos nos Anais da Assembléia Provincial - atual Assembléia Legislativa - sobre as violências cometidas em Passo Fundo nas disputas político-partidárias entre os conservadores, liderados por Gervázio Luccas Annes, e os liberais, chefiados pelo general Prestes Guimarães.
Nós sabemos que o grosso do Partido Republicano Rio-Grandense foi formado por conservadores que eram oposição aos liberais e foram exatamente os liberais que, mais tarde, deram origem aos federalistas. A violência das disputas de então não poupava ninguém, como no caso do padre Ramos, aprisionado pelos republicanos e levado na direção de Cruz Alta, centro político da região na época, e que foi degolado na costa do rio Jacuizinho, adiante de Carazinho. Essa rivalidade que, seguidamente, chega à violência física, prossegue no tempo, século XX a dentro, através do clima sempre tenso que antecede as eleições, com tiros à noite, panfletagems anônimas, difamação e calúnia. Tudo isso faz lembrar Passo Fundo do século XIX. Ao mesmo tempo, há a possibilidade de arranjos, arreglos, como o caso exemplar do coronel Lolico (Pedro Lopes de Oliveira), que era um dos próceres do Partido Republicano, aparecer, mais tarde, ao lado de antigos maragatos, na Revolução de 1923.
Isso continua hoje: grupos que sempre estiveram ao lado de um determinado partido político, de repente, aparecerem do lado oposto. Então a gente percebe que há uma continuidade de uma tradição de polarização, de disputa acirrada, que vem das origens, atinge o máximo na Revolução de 1893, e atravessa o tempo, até nossos dias, numa verdadeira política de "terra arrasada". E isso é muito sério porque essa violência acaba produzindo o atraso da cidade, pois as pessoas se unem para se destruírem umas às outras, ao invés de se unirem para construírem juntas. Por isso, é que encontramos tanta dificuldade para construir e implementar um projeto de desenvolvimento político, econômico e social.
Infelizmente, Passo Fundo é uma cidade esquartejada. Se um grupo tem uma boa iniciativa de um lado, os demais, a invés de reforçarem o projeto iniciado, lançam algo paralelo, concorrente.
Vejamos o caso da emancipação de Carazinho: gerou-se uma polêmica muito séria com o objetivo de enfraquecer o prestígio político de Nicolau de Araújo Vergueiro e resultou na emancipação de Carazinho, que levou junto Não-Me-Toque - que não queria se emancipar de Passo Fundo- e daí vem essa animosidade regional, esta "briga de beleza" entre Passo Fundo e Carazinho, que todo mundo sabe que existe, mas que ninguém fala. Quer dizer, esta tradição de rivalidade acirrada provoca reflexos no desenvolvimento do que é hoje Passo Fundo e até na sua relação com os municípios que surgiram do que foi Passo Fundo: 90 municípios ao redor, cerca de 15% do território do Rio Grande do Sul.
Somando: Como superar isso?
Paulo Monteiro: Principalmente através do estudo da História. Precisamos saber o que deu certo e o que deu errado. Ninguém estabelece uma empresa sem pesquisar antes a origem do lugar onde se vai fixar, sua realidade e seu potencial. Precisamos conhecer nossa história para saber quais os nossos pontos positivos e quais os pontos negativos. Quando você vai ao médico e diz "- Doutor, eu estou com uma dor no peito", ele pergunta: "- Quantos anos você tem?", "- Tenho tantos anos", "- Você tem ou teve alguém, na família, com problemas cardíacos?" e se você disser que teve, já é mio diagnóstico. Essa retomada da história de Passo Fundo, através do que se tem escrito a respeito, dos seminários que se fizeram em torno da Batalha do Pulador, do projeto de reconstituição da batalha, é fundamental exatamente para que Passo Fundo conheça a sua história, suas potencialidades, sua vocação histórica.
Somando: A revolução foi um trauma?
Paulo Monteiro: Foi. Foi um trauma. Nós somo os bisnetos daquela geração; estas feridas ainda estão muito vivas entre nós. Por exemplo: Passo Fundo já foi a capital do trigo, a capital da soja, a capital do Norte do Rio grande do Sul e do Oeste de Santa Catarina... Mas será que Passo Fundo foi tudo isso ou continua sendo tudo isso? Quando nós pensamos o nosso passado é que temos condições de sentar no divã da História e concluir: será que isso não é uma forma de compensação, de infantilidade, um complexo mal resolvido?
É preciso exorcizar todo esse peso do nosso passado que é mal resolvido. E como é que vamos fazer isso? Sentando no divã da História. Assim é que vamos poder identificar nossa real vocação porque, não tenho dúvidas, um grande papel está reservado a nossa cidade, caso contrário ela não teria saltado da posição de simples pouso de tropeiros para se tornar uma das maiores cidades do Rio Grande do Sul. Sua posição geográfica e uma série de outros fatores contribuíram para isto. A questão é que este processo, até hoje, se deu de forma espontânea, com alguma intervenção do poder público ou da sociedade civil organizada. É preciso dar um grande passo adiante; é preciso tornar este processo de desenvolvimento um processo consciente. E antes de caminhar para a frente é necessário olhar o que ficou para trás.
(Entrevista concedida ao jornalista e historiador Rodrigo Pimentel e publicada na Revista Somando, de Passo Fundo, edição de agosto de 2005).

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sexta-feira, fevereiro 20, 2009 - 16:52

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