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Revolução Federalista: uma guerra pelas tetas do Estado
Paulo Monteiro
A maioria dos historiadores, com base nos “cálculos oficiais”, afirma que a Revolução Federalista deixou um saldo entre 11 mil e 12 mil mortes, um terço das quais pela degola. Os jornalistas A. Birce (americano) e Apolinário Porto Alegre (gaúcho), contemporâneos e testemunhas dos acontecimentos, calcularam o número real de mortos em três vezes superior ao oficialmente aceito. A Revolução Federalista foi a mais sangrenta do século XIX, nas Américas, superando a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos.
Os historiadores apontam diversas causas (econômicas, políticas e sociais) para a eclosão do movimento revolucionário. A Revolução Farroupilha (1835/1845) também conheceu todo tipo de violência, inclusive o saque de Imaruí (Santa Catarina) e o massacre dos Porongos. Nunca atingiu o nível monstruoso de 93.
A violência marca a ocupação do Rio Grande do Sul, que teve as fronteiras “traçadas a ponta de lança e pata de cavalo”. As terras de campo foram apossadas pelos militares e milicianos, a custa de matança de índios, dando origem a uma espécie de elite militar. A educação de meninos e meninas, em casa, era com o rabo-de-tatu, e, na escola, com a palmatória.
Os raros empregos públicos eram para os filhos e genros doutores dos estancieiros e os apadrinhados políticos, mormente a capangagem e os historiadores áulicos. Quando um partido chegava ao governo demitia tantos quantos estivessem ligados ao governo anterior. A isso os vencidos chamavam de “despotismo”. Todos queriam chegar ao governo para empregarem os cupinchas.
A violência faz parte da cultura gaúcha. A música, a poesia, a pintura, tudo fala do cavalo, da faca, do bochincho e da mulher-objeto: a china carregada na garupa, a prenda, que sobra como presente ao final de uma peleia.
A política, no Rio Grande do Sul, sempre foi marcada pela violência física e moral contra os vencidos. Durante o II Império dois grupos lutavam pelo controle político da então Província: o Partido Liberal e o Partido Conservador. Os liberais, durante a maior parte do tempo no poder, reprimiam violentamente os adversários. Estes, nos breves períodos em de domínio, davam o troco devido.
Quando da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, os liberais, após breve período na oposição, estavam no governo. Os republicanos, que eram uma insignificante, mas barulhenta minoria, e também sofria perseguições dos liberais, foram engrossados pelos conservadores.
Para manterem-se no poder, os republicanos/conservadores precisavam “eliminar” os liberais – que mudaram o nome para Partido Federalista –, caso contrário, seriam eliminados por eles. A violência política adquiriu forma de luta militar, de guerra mesmo, o que foi muito fácil, pois a maioria das pessoas tinha armas de guerra em casa. Os rio-grandenses sempre foram “um povo em armas”.
Entre 1889 e 1893 houve momentos de alternância no governo estadual entre republicanos/conservadores e liberais/federalistas. Quando um grupo estava no poder baixava a espada e metia bala no outro.
Ao retornarem ao governo em 17 de junho de 1892, derrubando o governo de João da Silva Tavares (Joca Tavares), um conservador que passara para o lado dos federalistas, os republicanos adotaram uma política de “eliminação” dos federalistas, para usar uma expressão do próprio Júlio de Castilhos. Milhares deles exilaram-se. E dali, invadiram o Rio Grande para retomarem o governo pelas armas.
Daí por diante, o que se viu foi uma guerra de extermínio. Os republicanos, também conhecidos como castilhistas, pica-paus ou pés-chatos, não querendo largar as tetas cheias do Estado, e os federalistas, apodados de vira-bostas, maragatos ou gasparistas, querendo retomá-las a ferro e fogo.
O saldo final da Revolução Federalista foram dezenas de milhares de mortos e aleijados, a economia arrasada e ressentimentos que duram até hoje.
Nós não devemos nos orgulhar do que aconteceu naquele período. Devemos perdoar-nos uns aos outros, pelos crimes cometidos pelos nossos ancestrais; devemos estimular a união dos gaúchos em torno de objetivos de política e justiça social. Não devemos endeusar homens como Júlio de Castilhos, Gaspar da Silveira Martins e tantos outros. Se eles, pessoalmente, não cometeram assassinatos, massacres, roubos e estupros, também Hitler, Stalin, Pol-Pot, Franco, Pinochet e todos os outros déspotas, também não os cometeram pessoalmente.
As práticas adotadas ou protegidas pelos caudilhos rio-grandenses mereceram, desde há milhares de anos, a condenação de todas as leis sábias, do Código de Hamurabi ao Decálogo Bíblico. Seus crimes, portanto, são indesculpáveis.
Ao lembrarmos aquele período histórico devemos ter presentes os ensinamentos do autor do clássico A Marca da Violência, Fredric Wertham: “Quando o ambiente tolera, aprova, propaga ou recompensa expressões violentas, o comportamento violento tende a manifestar-se com maior intensidade”. O exemplo das violências passadas, em sendo reproduzidas nos tempos presentes, sem o necessário senso crítico, representa um grande perigo. “A violência não está na história, está no presente”, como escreveu o mesmo Fredric Wertham.
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