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Um Crítico de Jornal
Paulo Monteiro (*)
Acabo de ler dois livros de Nelson Hoffmann: “Uma Outra Face do Poeta” (EDIURI, Santo Ângelo, 2007) e “LEITURA & DIVAGAÇÃO” (EDIURI, Santo Ângelo, 2008). A leitura desses dois volumes do incansável polígrafo roque-gonzalense conduziu-me a refletir sobre o papel do jornalismo literário. Essas reflexões conduziram-me ao “new criticism” ou “nova crítica”, movimento importado mormente dos Estados Unidos da América, e que teve entre nós o São João Batista em Afrânio Coutinho, autor de um clássico sobre o assunto, “Da Crítica e da Nova Crítica” (MEC/CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Brasília/Rio de Janeiro, 2ª edição, 1975).
A crítica literária sempre esteve ligada ao jornalismo, através do famoso rodapé. Todo o livro de Afrânio Coutinho, como salientou Wilson Martins, à época em que a primeira edição foi publicada, é uma “‘campanha’ jornalística”. Valeu-se do rodapé para combater o rodapé.
Para ilustrar a opinião do autor de “Correntes Cruzadas” transcrevo (Ed. Cit., p. 57) um parágrafo de “Da Crítica e da Nova Crítica”:
“O que o jornalismo moderno comporta, em conformidade com a agitada vida social contemporânea, não são mais os vastos e sólidos rodapés de crítica especializada, porém as notícias ligeiras, o comentário informativo sobre livros aparecidos. O público deseja saber o que vai no mundo dos livros, a natureza deles, o assunto de que tratam, em notas leves, informativas, pois ele, graças à educação democrática, se supõe apto a por si mesmo julgar, depois de lido, o valor do livro. Em muitos casos, ademais, o rodapé de crítica desvirtuou-se, fugindo da finalidade que era a apreciação do livro em causa, para tornar-se um indigesto e massudo ensaio “sobre” o assunto do livro, à margem do mesmo, sem entrar no seu exame, ficando o leitor sem nada saber do livro, embora profundamente impressionado com a cultura do crítico. Mas aquilo que ele queria não lhe foi dado, de modo que passou e conseqüência natural, a descrer e a desinteressar-se do rodapé da crítica. Ao redigi-los, aliás, seus autores, na maioria, tinham em mente menos o público, do que os confrades”.
Para ele, a “alta crítica”, em sua definição, à época já estava refugiada no livro. Na verdade, mas na verdade mesmo, o que Afrânio Coutinho queria era acabar com a “crítica de jornal” para assegurar mercado de trabalho aos formados nos cursos de letras que começavam a proliferar pelo país. Daí o sentido de “‘campanha’ jornalística” assumida por sua pregação.
A crítica de jornal, o rodapé, entre nós, tem uma tradição enraizada. E não se extingue uma tradição por decreto. O modelo dessa tradição também foi transplantado – e da França – há quase dois séculos. Seu caráter básico é o impressionismo – o “indigesto e manuseado ensaio sobre o ‘assunto’ do livro”, de que fala Afrânio Coutinho –. Entretanto, é exatamente isso que da vida à crítica de jornal. É pessoal, uma conversa com o leitor.
O crítico é um encantador de serpentes, um sedutor de leitores. É parte de um triângulo, onde também estão incluídos o autor e o leitor. A obra é o pêndulo usado pelo hipnotizador. É claro que nem todos os leitores caem nessa armadilha. Urge que a obra interesse a quem lê.
Exemplifiquemos.
Em “LEITURA & DIVAGAÇÃO”, páginas 39 a 44, sob o título “Por que não ser feliz?”, Nelson Hoffmann comenta a obra da romancista catarinense Urda Alice Klueger, como ele, de origem alemã. Centra sua análise em “Verde Vale”, primeiro livro da autora.
Começa contando sua curiosidade pela obra de Urda, a forma como descobriu seu endereço, o recebimento dos livros e a leitura. Tudo muito humano. E essa humanização se completa ao aproximar a “ficção” de Urda e a própria biografia do crítico.
Humberto Sonne é um alemão forçado a deixar sua pátria forçado pelas guerras e a miséria. Uma história semelhante a do avô de Nelson, que também foi feliz vale do Ijuí, como Humberto o seria às margens do Itajaí.
Toda a obra crítica de Nelson Hoffman, como a de muitos bons críticos de jornal, é uma história amena, como aquelas velhas conversas ao pé do fogo, antes que o gás de cozinha colocasse o fogão a lenha entre os fósseis da história. E é essa fraqueza, condenada pelos arautos do “new criticism”, em nome de uma pretensa superioridade da crítica acadêmica encastelada em livros e revistas que ninguém lê, o que confere valor ao texto jornalístico.
A campanha promovida pelos “novos críticos” era e é uma orquestração coorporativa. Como um bumerangue, seus argumentos, todos, podem voltar-se contra eles próprios. Antes de um bem para a literatura causaram um mal imensurável. Afastaram ainda mais o livro do público. Quanto mais artigos e crônicas sobre autores e livros, mais leitores. Hoje as edições têm praticamente a mesma tiragem de há um século e tanto atrás. Salvam-se os protegidos dos grandes meios de comunicação.
Nelson Hoffmann, há anos, entrincheirado no Jornal Igaçaba, lá nas Missões continua a divulgação de autores e livros que não encontram espaços em livros e revistas acadêmicas, muitas vezes com minúsculas tiragens apenas para justificar recursos obtidos em projetos financiados com recursos públicos. Faz da crítica um trabalho de grande seriedade, um verdadeiro magistério e ministério.
(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas literários, históricos e culturais, é presidente da Academia Passo-Fundense de Letras e pertence a diversas entidades do Brasil e do exterior. Seu endereço para correspondência é: Caixa Postal 462 – CEP: 99001-970 – Passo Fundo – RS - Brasil.
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