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Um poeta antitético

Paulo Monteiro

A publicação do volume intitulado Poesias, de Elisomero da Costa Moura (impresso na Tipografia Sananduva, Sananduva, 2005), e seu lançamento na Academia Passo-Fundense de Letras, constituiu-se num verdadeiro evento literário, pela importância da obra do poeta lagoense.
Elisomero da Costa Moura nasceu em Bento Gonçalves em 15 de junho de 1951. Muito cedo sua família passou a residir em Lagoa Vermelha onde o poeta concluiu os cursos primário, ginasial e técnico em contabilidade. Mudou-se para Porto Alegre, ali trabalhando e realizando curso pré-vestibular. Transferiu-se para Passo Fundo, cursando Direito e Letras, na universidade local.
Durante o período de residência em Passo Fundo integrou o Grupo Literário “Nova Geração”, que reuniu um elevado número de jovens intelectuais da Cidade. Pertenceu ao Rotaract Club de Passo Fundo e à Academia Passo-Fundense de Letras.
Viajante insaciável transferiu-se para o Paraná, lecionando em Curitiba e São José dos Pinhais, exercendo a profissão que iniciara no Colégio Bom Conselho de Passo Fundo.
Residiu no Japão, onde fez especialização para continuar a prática do magistério. De volta ao Brasil, reiniciou suas atividades, falecendo em Curitiba no dia 25 de maio de 1995.
Sua irmã, Izete da Costa Moura, que também integrou o Grupo Literário “Nova Geração”, reuniu parte das poesias de Elisomero no livro que acaba de vir a lume.
Amplio, neste ensaio despretensioso, conceitos que emiti quando, em nome da Academia Passo-Fundense de Letras, designado por seu atual presidente, apresentei o livro à intelectualidade local e aos amigos do poeta, que se fizeram presentes à solenidade realizada no prédio-sede do sodalício local.
Elisomero faz parte de uma espécie poética mais comum do que possa parecer: os poetas antitéticos. Em língua portuguesa eles são encontrados facilmente, desde os trovadores galaico-portugueses até poetas contemporâneos nossos.
Na verdade parecem ser verdadeiros filhos espirituais de Heráclito, o polêmico filósofo de Éfeso, que teve acmé há 2.500 anos. Lembre-se que polêmica é quase a transcrição do grego pólemos, como se lê em Filósofos Pré-socráticos – Primeiros Mestres da Filosofia e da Ciência Grega, de Miguel Spinelli (EDIPUCS, Porto Alegre, 2003), página 376. Num dos fragmentos mais conhecidos de sua obra, Heráclito afirma que “Pólemos é pai de todas as coisas, rei de tudo; a uns, os demonstrou como deuses, a outros, como homens; de uns fez escravos, de outros, livres”, na tradução de Damião Berge, à página 261 de O Logos Heraclítico – Introdução ao Estudo dos Fragmentos (INL, Rio de Janeiro, 1969). Ora, a guerra é exatamente uma forma particular, especial, assumida por éris, a luta.
A luta, porém, tanto em Heráclito quanto em outros pré-socráticos, e ao longo mesmo da história do pensamento, só apresenta sentido, do ponto de vista antropológico. Nesse aspecto é meridiana a conclusão de Miguel Spinelli: “O indivíduo, deixado a si mesmo, independente de qualquer relação, isolado, não entra em conflitos, a não ser consigo mesmo. Em qualquer circunstância, é na relação que o conflito se dá. Por ser o filósofo do paradoxo, para Heráclito o conflito é a regra, sendo que a própria Natureza necessita, e muito, de um tal conflito” (Op. Cit., p. 196). É bom que se diga: onde Damião Berge traduz pólemos como guerra, a leitura de Miguel Spinelli é “conflito”.
A essas alturas alguém estará perguntando: “... mas, afinal, o que o Elisomero da Lagoa Vermelha tem a ver com esse tal Heráclito de Éfeso?” E a reposta é simples: “Tudo”. A contradição é a base da obra de nosso poeta. E os poetas antitéticos têm plena consciência disso, ao contrário de outros poetas. Leia-se o poema abaixo, de Elisomero:
EU... ANTÍTESE
Sou o fruto
de uma imaginação maior.
Sou o sonho de um Deus
numa noite de luar.
Sou efêmero
como a partida
e constante como a volta.
Sou apenas abstrato
intocável como a lágrima
que não sai,
e concreto
como o sorriso
que se solta.
Sou o amante
do momento
do pôr-do-sol e do azul.
Do eterno,
do luar e do jasmim.
Sou o pensamento
de um Deus
e um poema de sua loucura.
Sou um silêncio... cantante.
Antonio Medina Rodrigues, num recente estudo sobre os sonetos camonianos, lembra a presença antiga da antítese na literatura de língua portuguesa, chamando a atenção para os abusos ocasionados pelo emprego excessivo dessa técnica, como define o estudioso de Camões. Este “.. não pratica um mero jogo verbal, como vieram a fazer, mais tarde, alguns poetas barrocos. Camões simplesmente exprime as contradições e perplexidades inerentes à própria vida humana. Quer mostrar o homem dividido, sobretudo entre a esfera do ser e a do parecer” (Roteiro de Leitura: Sonetos de Luís Vaz de Camões, págs. 66 e 67, Editora Ática, São Paulo, 1998).
Ora, todos os verdadeiros poetas, máxime os poetas antitéticos, ao contrário dos meros cometedores de versos, só produzem poesia porque conseguem exprimir essas contradições e perplexidades. É exatamente aquela “contradição consigo mesmo” de que fala Miguel Spinelli, o que dá vida à verdadeira poesia. O mais é mero discurso, simples oratória, e não arte poética.
Todos os verdadeiros poetas, máxime os poetas antitéticos, também, são movidos a emoção pura. Volto a Heráclito e ao fragmento 85 na clássica obra de Damião Berge (Ed. Cit., p. 277): “É difícil lutar contra o coração; o que ele quer, compra-se ao preço da psique”. Ora, o grego psychê, de onde psique, significa simplesmente vida. José Cavalcante de Souza, à página 87 de Os Pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários (2ª. Ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978), parece verter o fragmento através do latim: “Lutar contra o coração é difícil; pois o que ele quer compra-se a preço de alma”, pois esta última palavra é originária de ánemos.
Os verdadeiros poetas, máxime os poetas antitéticos, conseguem produzir verdadeira poesia porque têm seu êthos no “coração”. Na transliteração/tradução de Miguel Spinelli (Id., p. 376): êthos, significa “morada, modo de habitar ou viver, índole, costume”, o que aplicado ao fragmento 85 dá no seguinte: “êthos antrôpôi daímon, o êthos humano é o seu daímon”. Lembre-se Damião Berge demonstrar que daímon (demônio), na Grécia de Heráclito, não envolvia o sentido atual de spiritus malitiosus ou malignus, mas de simples divindade (Id., págs. 194 e 195).
Sendo emoção pura os poemas, máxime os poetas antitéticos, têm pago um preço muito caro, geralmente com a própria psique/ánemos/vida. Muitas vezes morrendo cedo ou, como tantos ao longo da história, através do suicídio. Trata-se de éris/pólemos contra eles mesmos, num processo autodestruitivo.
Em Elisomero Moura essa batalha íntima é claríssima. Sirva de exemplo o poema DE TI:
Fale-me de ti.
Dos jasmins que enfeitaram teus passeios,
alvos e orvalhados nos teus fartos cabelos,
e das mãos que, os colheram
e docemente te ofertaram.

Fale-me de ti.
Dos cantos, das vozes que ouviste,
do barulho do cascalho na calçada,
das mãos que te embalaram
e afastaram as minhas.

Fale-me de ti.
Dos olhos que olhaste, dos rostos
que retrataste, das cores nos pincéis.
Do novo aluno que ensinaste o primeiro traço,
e de outro sorriso que se esboçou na alma.

Fale-me de ti.
Do pôr-do-sol no rio,
da maçã com gosto de menta,
de quem te visitou nas tardes de domingo
e te levou timidamente,
uma flor campestre.

Fale-me de ti.
Dos poemas feitos;
das frases quentes que te incendiaram as faces
e te fizeram o coração pulsar descontroladamente
e tuas mãos tremerem.

Fale-me de ti.
De todo este tempo que não foi nosso
que foi apenas dor, saudade e desengano.
Essa luta interior travando-se contra si mesmo, é uma violação da dialética universal. Tudo é porque há unidade e luta dos contrários, que se transformam numa nova qualidade. Sirva de exemplo a fecundação do óvulo pelo espermatosóide: o “amador”, de Camões, se transformado na “coisa amada”, que na verdade é um outro ser.
Pode, também, ser “loucura” como nos fala o poeta em “EU... ANTÍTESE”. Essa loucura é, em tantos poetas, ao longo da História, a oposição entre o êthos pessoal e o êthos coletivo, através do amor proibido. Teimo em retornar ao Efésio, no fragmento 123: “A physis tende a ocultar-se”, na tradução de Damião Berge (Ib., p. 123) ou “Natureza ama esconder-se”, conforme José Cavalcante de Souza ( Ed. Cit., p. 91).
Poetar é brincar de esconde-esconde com physis/natureza humana e ler poesia ou escrever sobre ela é desfrutar o prazer de acompanhar a brincadeira, nem sempre tão inocente do poeta. E Elisomero Moura é um mestre nessa brincadeira.

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domingo, janeiro 25, 2009 - 12:22
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PauloMonteiro

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Comentários

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Re: Um poeta antitético

Se um dia eu "ser", nem que seja por um só dia, poeta, é poeta antitético, antiestético ...já que é nos opostos ( Apolo vs Diónisos)que encontro o abismo (que me encontro) do UNO Primordial.

Sabes! Ler-te é como ir ao encontro desse Uno Primordial.

Beijo

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Re: Um poeta antitético

prezada maria treva
a antítese é uma presença constante no uiverso
a finitude do homem a infinitude divina
o próprio homem na feliz definição de camões este bicho da terra tão pequeno
poesia é vida
por isso é que alguns poetas como mário de sá-carneiro e meu querido amigo elisomero fizeram das antíteses anímicas pessoais belas poemáticas antitéticas
ser ou não ser não é a questão
a questão é ser e não ser
um grande e fraterno abraço do
paulo monteiro

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