Geremias
obrigado por tudo
obrigado pelas pétalas desta rosa que deixaste sobre mim
mortas e podres como eu
obrigado pela vida e pela morte também
obrigado
porque hoje sou mais do que fui ontem
hoje sou menos mortal e mais animal
hoje sei matar e cortar cabeças para as pendurar na entrada da minha alma
para que todos os infiéis saibam a quem devem respeito
todos os infiéis que habitam o meu corpo e que não pagam renda
todo eles
os bons
os maus
os gordos
os magros
os feios
os velhos
os novos
todos
para que no fim acreditem em fim
porque nunca ninguém acredita em mim
porque eu nunca sei fazer nada
não sei fazer mortais à retaguarda
nem sushi
nem comer com os pauzinhos
e eles gozam
e por isso são mais do que eu
apesar de ocuparmos o mesmo corpo
e termos a mesma mãe que nos educou da mesma forma
mesmo assim
somos diferentes
temos sonhos diferentes e vivemos num mundo igual
talvez por isso nunca tivemos boas relações
mas hoje vão respeitar-me
e vão fazer-me vénias enquanto falo
e baterem palminhas
palmas
e palmadas até ficarem sem carne nas mãos
baterem-me devagarinho nas costas sempre que eu chorar
rirem-se de todas as minhas piadas
e limparem-me as lentes até que eu veja alguém bonito
porque isto de bonito não tem nada
são todos tão feios
tão animais e selvagens
são todos tão como eu
só que diferentes
e hoje irei erradicá-los da minha alma
e tenho mesmo de te agradecer
obrigado morte
Carlos Leite,
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Comments
Geremias/carlosleite
Lindo texto, mas muito triste!
Meus parabéns,
Marne