Microcontos

ESTRANHO

Até onde podia ver aquele não era um teto familiar. Tampouco se via a bandeira do Operário ou seus versinhos na parede, nada, nem as piadas do Elias. Era um silencio só, nem choro tinha. Parecia o funeral de um estranho.

 

A CURA

Curado de sua velha doença tinha alta programada para o dia seguinte. Submetido a meses de tratamento poderia então voltar à vida após 236 anos. Tinha no peito um peso indefinido, sozinho em um mundo estranho, após um breve sono criogênico.

ENCONTRO

Numa esquina da capital ele tateia as horas. O aroma dos jornais confirma o local combinado. Sempre fica tenso nesses encontros as escuras. Depois das aulas de braile ia paquerar no instituto para moças. A coordenadora ficava uma fera. Passaram então os encontros para o centro da cidade.

VISITAS

Começou em visitas esporádicas, logo debatiam animados no sofá da sala. A tempos não se sentia tão bem, tão percebida. De uns anos pra cá preferia os cômodos escuros. Só saía da cama quando se via sozinha. Tinha até desistido dos comprimidos, quando tudo começou.

BLECAUTE

O pior daqueles dias de blecaute não foi a onda de saques ou a comida derretendo na geladeira. A escuridão revelou em todos um silencio a muito cristalizado. Fantasmas sorriam nas salas de jantar. A tela da TV transmitia o desconserto das vidas sem luz.

O BOLO

Andava por toda a cidade em silencio. A barra de ferro na mão era só para espantar a molecada. Seus olhos procuravam um rosto conhecido, queria tão só devolver aquela raiva para alguém. Andou assim por anos a fio. Nunca mais viu ninguém. Nem seu pai adormecido, nem sua mãe suicida, nem mesmo seus irmãos, tão felizes, com aquele pedaço de bolo na boca.

 

 

 

 

 

 

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Thursday, December 29, 2011 - 16:59

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