Viagens na minha terra
Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices.
O homem – não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando, em seus moldes de ferro, aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade – o homem, assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra.
A História é uma tola. Eu não posso abrir um livro de História, que não me ria. Sobretudo as ponderações e adivinhações dos historiadores acho-as de um cómico irresistível. O que sabem eles das causas, dos motivos, do valor e importância de quase todos os factos que recontam?
Quantas almas é preciso dar ao diabo e quantos corpos se têm de entregar no cemitério para fazer um rico neste mundo?
A modéstia quando é excessiva e se aproxima do acanhamento, pode ser num homem quase defeito inteiro. Na mulher é sempre virtude, realce de beleza às formos as disfarce de fealdade às que o não são.
Poeta em anos de prosa.
Idade madura, idade da experiência, idade prosaica em que as mais belas criações do espírito parecem macaquices diante das realidades do mundo.
O coração humano é como o estômago humano, não pode estar vazio.
É um nobre e grande coração, mas… não te deixes dominar por ele, se o queres segurar.
És mulher, e as mulheres não entendem os homens. Sempre o entrevi; hoje sei-o perfeitamente. A mulher não pode nem deve compreender o homem. Triste da que chega a sabê-lo!
Admirável condição da natureza humana que tudo nos parece melhor e menos feio, quando visto ao longe.
O povo está são; os corruptos somos nós, os que cuidamos saber e ignoramos tudo.
Há três espécies de mulher neste mundo: a mulher que se admira, a mulher que se deseja e a mulher que se ama… A beleza, o espírito, a graça, os dotes de alma e do corpo geram a admiração; certas formas, certo ar voluptuoso criam o desejo. O que produz o amor não se sabe; é tudo isto; às vezes é mais do que isto; não é nada disto.
Não sei o que é; mas sei que se pode admirar uma mulher, sem a desejar; que se pode desejar, sem a amar. O amor não está definido, nem o pode ser nunca. O amor verdadeiro; que as outras coisas não são isso.
São os dois entes mais parecidos da natureza, o poeta e a mulher namorada: veem, sentem, falam como a outra gente não vê, não sente, não pensa nem fala. Na maior paixão, no mais acrisolado afeto do homem que não é poeta, entra sempre o seu tanto da vil prosa humana: é liga sem que se não lavra o mais fino de seu ouro. A mulher não; a mulher apaixonada deveras sublima-se, idealiza-se logo, toda ela é poesia; e não há dor física, interesse material, nem deleites sensuais que a façam descer ao positivo da existência prosaica.
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Almeida Garret
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