O PASSADO SENTADO
O PASSADO SENTADO … memórias fiadas à lareira do passado…
As mãos engelhadas, ainda sobre os velhos farrapos de linho, desfaziam a trama inventada em inúmeras noites de insónia, arredando o sono para a madrugada, esperavam o clarear da neblina acinzentada para sair da velha cozinha e deixar o carcomido escano, onde desenhada forma de pó de cinzas apagadas perpetuava o tempo do passado sentado, deixando marcas de nódoas de idade, faúlhas incandescentes saltando da fogueira brava, marcando a ferros ilegíveis iniciais de fogo, e horas sem descanso com mistura de lágrimas teimosas carregadas de frio, medo, tristeza e solidão, da mesma maneira de que é feita a escuridão que habita uma casa sem luz e as negras paredes de barro pintadas de fumo e humidade são palco de sombras dançantes pela chama da madeira consumindo-se em labaredas de línguas vermelhas e laranjas cores do braseiro aceso pela noite adentro, acarinhando o lume dando pátina à madeira encerada de saudade e ondulando as teias de aranha desabitadas debaixo das telhas soltas do telhado escurecido pelo fumeiro antigo, logo ao lado do forno a lenha sempre morno, de cúpula esbranquiçada e cheiro a pão quente, em colo de silêncios amassados com temperados dias e noites dobadas nas pontas dos dedos cansados da roca e do fuso, soltando-se memórias no crepitar do canto do fogo, em ladainhas aprendidas dos lábios de sabias bocas e olhos estremecidos na escura lentidão da vida.
A Ti Beatriz e a sua larga prole de dez filhos fazem do passado sentado a soleira aberta das recordações da porta escancarada para um futuro de palavras que se debruça no varandim do presente trazendo à luz do dia as memórias felizes de uma vida de pobreza e simplicidade que na eternidade da escrita enlaçam raízes de afetos e amizade.
Havia a fome com a fartura dos campos a soberba horta e os quintais cheios de verdura e fruta e os animais domésticos assegurando o sustento da casa onde nunca havia um tostão que sobrasse mas acreditava-se na malga cheia de caldo de feijão e as couves dando a força do sangue e o sabor de uma luta sem tréguas vencendo a miséria alheia repartida no lar apinhado de bocas para alimentar entregues ao deus dará no pino do escaldante verão ou no gélido invernoso tempo assegurando a geração de pés descalços e maltrapilhos e ranhosos narizes e lacrimosos olhos compilados de telas por pintar em inspirados instantes de cenas domésticas familiares em casarios de aldeias por descobrir, a pigmentos sépia e fraca claridade em tons de azulado sombreado sobre a memória abandonada desse passado esquecido na lembrança eterna do ser e sentir.
…
ana barbara santo antonio
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 5083 reads
other contents of musarenascentista
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Dedicated | À MINHA MÃE | 1 | 1.520 | 12/07/2011 - 14:19 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | OLHAR À JANELA | 1 | 1.019 | 12/07/2011 - 00:29 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | LISBOA | 0 | 1.007 | 12/06/2011 - 20:35 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | ETERNIDADE | 4 | 945 | 12/06/2011 - 20:31 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | NEGRO SOLUÇAR | 0 | 918 | 12/01/2011 - 23:42 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | NOS TEUS NEGROS CARACOIS | 0 | 690 | 12/01/2011 - 23:41 | Portuguese | |
Poesia/General | GAIVOTAS NA CIDADE | 1 | 1.145 | 09/27/2011 - 07:17 | Portuguese | |
Poesia/General | MIRANDO ELA BRANCA LOURENÇO | 0 | 788 | 07/18/2011 - 21:24 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | À CASA MINHA (a David Mourão Ferreira) | 0 | 1.724 | 07/17/2011 - 23:14 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | ALMA VIVA | 0 | 1.281 | 07/14/2011 - 12:03 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | POEMA DA MEMÓRIA | 1 | 1.002 | 07/07/2011 - 14:48 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | TOMADA EM TUAS MÃOS | 0 | 1.327 | 07/05/2011 - 09:58 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | DESILUDIDA | 3 | 1.337 | 07/04/2011 - 23:09 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | NUDEZ POÉTICA | 2 | 952 | 07/04/2011 - 19:53 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | SONETO DA GESTAÇÃO | 0 | 748 | 07/04/2011 - 14:17 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | SONETO DA MADRUGADA | 0 | 1.428 | 07/04/2011 - 14:15 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | SONETO DOS PASSOS | 0 | 1.267 | 07/04/2011 - 14:13 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | SONETO DA NUDEZ POÉTICA | 0 | 796 | 07/04/2011 - 14:12 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | SONETO DO MAR ADENTRO | 0 | 898 | 07/04/2011 - 14:10 | Portuguese | |
Poesia/Sonnet | CORPÓREA PRIMAVERA | 0 | 1.039 | 07/04/2011 - 14:08 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | FADAS | 0 | 1.042 | 07/04/2011 - 14:06 | Portuguese | |
Poesia/Passion | DOR DE PAIXÃO | 0 | 869 | 07/04/2011 - 14:03 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | SONATA DA NOITE | 0 | 601 | 07/04/2011 - 14:00 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | VEM SER POESIA EM MIM | 0 | 1.041 | 07/04/2011 - 13:58 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | HIPOTÁLAMO | 0 | 1.295 | 07/04/2011 - 13:56 | Portuguese |
Add comment